Em 2024, segue em alta a procura pelo setor de turismo com base comunitária e o etnoturismo. Dados da Forwardkeys e Embratur mostram uma adesão de peruanos as rotas sustentáveis acreanas. O xamanismo emerge como caminho e alternativa de proteção à floresta e o fortalecimento dos saberes tradicionais.
Manter a floresta em pé, fortalecer a comunidade e melhorar a qualidade de vida no planeta. Tudo isso desenvolvido no trabalho da Trilha Luau Samaúma, localizado há poucos quilômetros da capital, sob a sombra das árvores e as margens de igarapés. “Luau com a letra u mesmo, de universal”, explica o guia Leo Dantas.
A caminhada guiada, em torno de quatro horas, vem atraindo turistas de todo o país e de algumas regiões do exterior que buscam a convivência mais próxima com a floresta, o contato com o divino através de trabalhos espirituais com ayahuasca, medicina alternativa, aplicação de Kambô (secreção extraída da rã Phyllomedusa bicolor) ou, simplesmente, um programa para “sair da rotina”.
Samaúma com mais de 100 anos é um dos pontos mais visitados na trilha que vem atraíndo turistas do Brasil e do mundo na Colônia Luau. Foto: Assessoria
Sair da rotina foi a opção do turista carioca, Bruno Marcondes. O servidor público do estado do Rio de Janeiro, há 28 anos começou a conhecer as capitais brasileiras. Em Rio Branco, teve acesso pela rede social sobre a Trilha Luau Samaúma e marcou a caminhada que fechou o seu roteiro no país.
“Estar na natureza é sempre positivo, renova as energias de quem vive em cidade grande, com muito concreto. Estar conectado com outras pessoas nessa mesma energia faz um bem danado para o corpo e para a alma”, disse Bruno.
Antes de começar a caminhar pela trilha, uma parada estratégica é feita em uma barraca coberta de palha, com decoração mística que prepara o grupo para contemplação e meditação. Leo Dantas, o nosso guia condutor, falou das regras de segurança e contou um pouco da história do projeto Colônia Luau, que tem 12 hectares de terras georreferenciadas.
Caminhada de 4 km no meio da floresta é cheia de encantos e contos, uma vivência mais próxima da fauna e da flora amazônica. Foto: Sabrina Salomon
“É um ponto de conexão aos pés da samaúma, diversidade cultural, espiritualidade, feitio e manejo das plantas medicinais, a importância de preservar a floresta”, relatou Dantas.
Assim como o Bruno, eu [Jairo Carioca], a repórter fotográfica Sabrina Salomon, o sonoplasta Junior Antônio e a digital influencer Thays Paiva, fomos apresentados para começar a caminhada no meio da floresta.
O percurso também poderia ser chamado de paxiubinha, dada a quantidade da espécie que margeia todo o igarapé Redenção, manancial que faz fronteira nos limites da colônia. Conhecida como palmeira andante, a árvore “se move em busca de nutrientes”, explicou o guia.
Rituais de xamanismo fazem parte da programação da Colônia Luau, um momento de fé e reflexão à luz da ayahuasca e medicina alternativa. Foto: Assessoria
E não é prosa de turismo ambiental. De nome científico “socratea exorrhiza”, a palmeira tem raízes aéreas que se movimentam de dois a três centímetros por dia, e, por ano, segundo especialistas, seu deslocamento pode chegar até 20 metros até encontrar o melhor solo para sobrevivência.
O cenário abriga outras espécies bem conhecidas na Amazônia como o pau-mulateiro que, nesta época do ano, produz flores brancas. O tronco retilíneo, com a casca lisa e brilhante, chama atenção no meio da floresta. Embora em abundância na colônia Luau, a arvore não é de fácil reprodução. A casca do mulateiro vem sendo utilizada para composição de cosméticos, receitada na etnomedicina como cicatrizantes e rejuvenescedor, além de ser usada no controle de manchas de pele. Arvores adultas com cerca de 40 metros, podem ser contempladas durante a caminhada.
Mesmo sem um inventário, estima-se que existam mais de 20 espécies de árvores por hectare. A fotógrafa Sabrina Salomon afirma que teve inspiração bem diferente para registrar samambaias, bambus e ouvir diversos cantos de pássaros e macacos no meio da floresta. “Nuca estive tão motivada”, destacou.
Colônia com 12 hectares de mata georreferenciada abriga espécies raras de árvores e diversas espécies de pássaros da região
Após três horas e meia a trilha nos leva aos pés de uma samaúma que tem mais de 100 anos. A parada para fotografias é também um convite à reflexão, uma vez que a espécie é considerada sagrada para os antigos povos Maias e indígenas de várias etnias da região norte. Sua copa se projeta acima de todas as demais árvores – podendo a chegar a 70 metros de altura – servindo de abrigo e proteção para outras espécies de flora. Em períodos específicos, quando as raízes atingem um determinado nível de umidade, a árvore solta esse excesso e irriga todo o seu entorno.
A caminhada é encerrada com um banho no igarapé Redenção, local onde os turistas se revigoram. Há espaços para montagem de barracas para aqueles que participam de rituais xamânicos com uso da ayahuasca, aplicação de kambô e outras atividades que fazem parte do programa na colônia. “Eu estou voltando revigorado. Foi uma reconexão que encheu as baterias”, disse Bruno Marcondes.
Para Leo Dantas, os objetivos do projeto vêm sendo alcançados a cada pacote fechado com turistas nacionais e internacionais. “O acreano também precisa conhecer esse banho de floresta, termo utilizado no Japão como terapia de saúde. Isso a gente só consegue com a floresta preservada, com suas nascentes sem a pressão do homem. Aqui a gente tem esse trabalho de incentivar os cuidados com o meio ambiente, saindo da trilha para o mundo”, acrescentou Dantas.
Turista do Rio de Janeiro, Bruno Marcondes ficou encantado com a árvore samaúma, um dos pontos mais visitados da trilha. Foto: Sabrina Salomon
Situado no final do ramal Cinco Mil – região conhecida como berço do trabalho do líder ayahuasqueiro Sebastião Mota, antes de chegar à colônia Luau, é possível contemplar a construção da primeira igreja do antigo Cefluris, hoje Iceflur. Neste período do ano, a comunidade festeja os santos juninos: Santo Antônio, São João Batista e São Pedro.
O ciclo promove a identidade cultural da região e gera renda para a comunidade que se apoia no turismo comunitário. “Aqui buscamos sempre a integração, fortalecendo a cultura da paz”, disse madrinha Marinez, uma das fundadoras do projeto.
Lugar é inspirador para as lentes de profissionais fotógrafos e reporter cinematográfico. Foto: Sabrina Salomon
Fluxo de turistas em busca da natureza aumenta pela tríplice fronteira
Dados catalogados pela Secretaria de Turismo e Empreendedorismo do Estado do Acre (Sete) mostram a evolução do turismo de base comunitária e da procura pelo etnoturismo em todo o estado. Ano passado, 17.250 turistas entraram pelas fronteiras do Peru e da Bolívia. No comparativo com 2022, o aumento foi d3 4,52% de turistas que chegaram ao estado por via terrestre.
Banho no igarapé Redenção é um prêmio para quem conclui a trilha de quatro horas pela floresta. Foto: Assessoria
Esse ano, o setor continua registrando alta. Segundo a diretora de Turismo da Sete, Sirlania Venturin, com base nos dados da Forwardkeys e Embratur, o crescimento foi de 10% com relação a turistas que vieram ao estado de diversos países, um total de 5.965, com destaque para os peruanos, mais de 4.100 turistas da região visitaram o Acre nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril. Um incremento de 25%.
Ainda de acordo a SETE, pelo menos 60% desse turista procura no estado programações ligadas ao turismo sustentável. Reportagem publicada recentemente na Revista Carta Capital, mostra o xamanismo no Acre emergindo como um caminho alternativo para a proteção da floresta amazônica e ao mesmo tempo uma via de fortalecimento dos saberes tradicionais.
Para quem gosta de acampar no meio da floresta, a trilha oferece locais incriveis, com espaço para acampamento. Foto: Sabrina Salomon
Revista Carta Capital, mostra o xamanismo no Acre emergindo como um caminho alternativo para a proteção da floresta . Foto: Sabrina Salomon