O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) condenou o aplicativo 99 a pagar R$ 100 mil em danos morais para uma passageira que, com medo de ser estuprada, pulou do carro em movimento. Cabe recurso da decisão. Tilt procurou a 99, que informou que "não comenta processos que permanecem ainda em andamento na justiça".
O caso aconteceu em fevereiro do ano passado. Durante a viagem, Ana* estava acompanhada da amiga Maria*. Ambas saltaram ao perceber que o motorista não ia parar no ponto de destino, mas apenas Ana entrou com ação contra o app.
Ao cair no asfalto, ela fraturou o pulso da mão esquerda e teve escoriações em diversas partes do corpo. Maria, de 19 anos, bateu a cabeça no chão, teve traumatismo craniano e ficou 12 dias em coma. Só deixou o hospital quase um mês após o incidente.
A decisão que condenou é do juiz Fábio Henrique Prado de Toledo, da 14ª Vara Cível, e beneficia apenas Ana.
No processo, a 99 alega que é uma empresa de tecnologia, não de serviço de transporte; e que não detém frota de veículos ou motoristas contratados, por isso não poderia ser responsabilizada por ato praticado por usuários cadastrados, sejam passageiros ou motoristas. Argumenta ainda que apenas conecta cliente e prestador de serviço, e é "parte totalmente ilegítima".
Porém, o magistrado entendeu que "é evidente que a empresa que exerce a atividade de intermediação do serviço de transporte, aproximando os motoristas cadastrados em sua plataforma e os passageiros usuários do aplicativo, responde pelos danos causados por aqueles a esses" dentro do que prevê o CDC (Código de Defesa do Consumidor).
Para o juiz, há "relação de consumo" entre a 99 e passageiros e, por isso, há incidência da lei 8.078 de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor.
"No caso em tela, constata-se a presença dos pressupostos da responsabilidade civil da ré: conduta, dano, defeito e nexo causal: a falha da prestação dos serviços, os danos morais e materiais suportados pela autora e o vínculo lógico entre a conduta (prestação de serviço) e os danos", observa o magistrado.
"O valor é adequado"
O juiz frisa que a 99 não nega a conduta lesiva do motorista, apenas contesta a participação da empresa nos atos causados pelo condutor. "Logo, é dispensável a produção de provas, posto que incontroversa a conduta lesiva do motorista e o dano experimentado pelo usuário."
Na decisão, o magistrado não constatou provas dos danos patrimoniais, já que não foram anexadas comprovantes de despesas médicas.
"Mas é devida a indenização por danos morais. A autora sofreu lesão corporal de natureza grave, com incapacidade por período considerável. É de se ressaltar, ainda, que a natureza e a extensão dos ferimentos por certo ensejaram sofrimento intenso. A isso se há de acrescentar as consequências lesivas da conduta em si do motorista, que infligiu intenso sofrimento e apreensão nas passageiras. Logo, é notório o dano moral experimentado", complementa Toledo.
O magistrado entende que o valor da indenização tem finalidade principal de "compensação destinada à vítima, como forma de aliviar (se não for possível eliminar) os efeitos da lesão experimentada". Há também a intenção de inibir que o ofensor, ao ser punido, não pratique mais atos similares.
"Como as funções compensatória (principal) e inibitória (secundária) devem atuar, estipulo a indenização do dano moral em R$ 100.000,00 (cem mil reais), conforme pedido inicial. O valor é adequado, diante da dimensão do dano na vida da autora e pelas suas consequências, em relação à afetação subjetiva da vítima, sua autoestima e dano psicológico. O montante é razoável também considerando-se também a capacidade econômica da empresa de transporte, que deve capacitar seus prepostos para evitar que fatos semelhantes se repitam", destaca o magistrado.
O que os advogados dizem
Em nota, a defesa de Ana entende que a sentença foi "precisa".
"Talvez nenhum valor fosse capaz de reparar o que ela sofreu, mas levando em consideração a gravidade dos danos e a relevância da empresa envolvida, o valor estipulado de dano moral atendeu nossas expectativas", salienta a nota assinada por Vitor Moya, Willian Peniche e Luciana Leopoldino.
Os advogados observaram que "em nenhum momento a empresa de app negou ou questionou os acontecimentos, apenas tentou transferir a responsabilidade para o motorista, razão pela qual, acreditamos que a decisão será mantida em instâncias superiores."
(*) Nomes fictício a pedido das entrevistadas