Depois da execução da vereadora Marielle Franco, o que mais mobilizou as redes sociais das quais participo foi a possibilidade de prisão de Benki Piyako, liderança indígena do povo Ashaninka e respeitado internacionalmente pelo seu trabalho e luta incessante pela proteção da Amazônia. As mensagens de apoio a Benki chegaram por todos os lados e um abaixo-assinado está circulando na internet para que o caso possa ser revertido.
Benki, que fala para o mundo sobre a importância da preservação da floresta - e é escutado por ele - passou de vítima a acusado após algumas trapalhadas jurídicas que agora podem condená-lo criminalmente por denúncia caluniosa.
A liderança, junto com seus irmãos e irmãs, desenvolvem um trabalho de reflorestamento junto às comunidades da Reserva Extrativista (Resex) Alto Juruá, a primeira criada no Brasil após o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, localizada no município de Marechal Thaumaturgo, no Estado do Acre, quase na divisa com o Peru, e as atividades vêm mudando a realidade dos moradores. Um dos irmãos, Isaac Piyako é o prefeito de Marechal Thaumaturgo e foi o primeiro prefeito indígena do Acre.
A história é mais ou menos assim: Após conflitos por ocupação de terra na cidade de Marechal Thaumaturgo em abril de 2015, Benki fez denúncia à Polícia Federal para relatar os riscos de violência que estava sofrendo em razão de sua atuação como agente agroflorestal e líder da Associação dos Ashaninka do Rio Amônia, a Apiwtxa ( a palavra significa "união" na língua Aruak).
Os responsáveis pela investigação do caso foram até a sede do município e, após ouvir apenas os acusados, decidiram por arquivar a denúncia. Sem ouvir Benki ou qualquer uma das pessoas da associação, segundo os advogados que cuidam do caso, a autoridade policial o indiciou e pediu a abertura de ação penal, contra o próprio indígena, pelo crime de denunciação caluniosa.
O Ministério Público Estadual do Acre aceitou o indiciamento e propôs ação penal contra ele. O processo tramita na 1ª Vara Criminal da Comarca de Cruzeiro do Sul (AC), está em fase de alegações finais para defesa e acusação e será julgado em breve.
Segundo o advogado do caso, Antonio Rodrigo Machado, "Benki procurou o Estado brasileiro para receber proteção das forças policiais e, em sentido oposto, está sentado no banco dos réus, acusado de um crime que não cometeu. Ao ser escolhido pela seletividade do sistema criminal brasileiro, não é apenas a liberdade de Benki que está em risco, mas sim o próprio respeito desse país aos Povos da Floresta e toda sua cultura".
Benki integra a lista de ameaçados de morte da Organização das Nações Unidas (ONU), já sofreu seis atentados à bala e um a machadada, sendo essa última em 2015 e vídeo do cineasta Vincent Carelli compartilhado nas redes sociais mostra a chegada de Benki na aldeia com o rosto ferido para ver os familiares. De acordo com relatório da Global Witness, o ataque à riqueza natural da nossa floresta faz do Brasil o país mais mortal do mundo com 132 defensores assassinados desde quando a série começou, em 2015. E os dados não estão atualizados.
O trabalho dos Ashaninka incomoda garimpeiros e madeireiros, que enxergam sua atuação como uma ameaça às atividades ilegais. E isso não é de hoje. A história desse povo é desde sempre ligada ao combate aos madeireiros e narcotraficantes e esse espaço seria pequeno para contar toda a história dos Ashaninka na batalha ao desmatamento e na luta para que não fossem dizimados.
A Terra Indígena onde eles moram foi demarcada há 25 anos e o que eles receberam da mão do governo era uma fazenda e no lugar da floresta, capim. Árvores foram plantadas, a floresta reestabelecida, a cultura preservada e os Ashaninka são hoje o símbolo da resistência e verdadeiros garotos-propaganda do estado do Acre, que se auto-intitula como o governo da floresta. O senador Jorge Viana (PT) afirma que busca mediar uma solução com o Ministério Público do Estado e que se trata de uma ação equivocada disparada pela Polícia Federal.
Em um país como o nosso, que lidera o ranking mundial contra os defensores do meio ambiente, a atuação dos Ashaninka foi uma das 15 iniciativas vencedoras do Prêmio Equatorial promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Pnud, no ano passado, que consagrou soluções sustentáveis para desafios voltados à proteção e promoção de pessoas, comunidades e do meio ambiente. Foram mais de 800 inscrições, vindas de 120 países. No Brasil, duas associações indígenas foram as selecionadas. E os Ashaninka estavam lá.