A política brasileira se caracteriza pela falta de ética. Ressalvadas algumas poucas exceções, nossos representantes costumam se comportar no exercício do poder como se ali estivessem para cuidar dos próprios interesses e não da coisa pública. Sobre a insatisfação que esse fato parece provocar junto à boa parte da sociedade, o eleitorado não consegue transformar sua indignação em gesto efetivo no sentido de retirar da cena pública pessoas que não sabem honrar o mandato recebido nas urnas. Pelo contrário, a reeleição de maus políticos se tornou fato corriqueiro.
O pleito acreano recente, no entanto, trouxe uma novidade: a eleição do vereador Emerson Jarude, de 33 anos. Ele fugiu aos moldes atuais, especificamente por não comprar votos. Além do bom trabalho de quase seis anos como vereador, o político, que não tem nada de bobo, pediu votos nos setores esclarecidos, destacadamente nos semáforos de Rio Branco, colégio eleitoral onde amealhou 93% dos votos (7.958), de um total de 8.540, que o colocou como o terceiro deputado estadual mais bem votado.
Mas as questões moral e ética não são as únicas bandeiras de Jarude. “Vou levantar o debate sobre o nosso desenvolvimento, principalmente sobre o papel do Estado, que é garantir uma infraestrutura adequada para o escoamento da produção; a disseminação de uma cultura empreendedora entre a nossa gente; e a execução de políticas públicas para atrair investimentos”, destacou ele, para quem a agroindústria e a bioeconomia podem tirar o Acre do atraso econômico e social.
Para falar sobre isso e outros assuntos, Jarude recebeu a nossa reportagem em seu gabinete. Ele também fez uma prestação de contas do mandato que terá de abdicar no final do ano. “Não sou melhor do que ninguém, mas falta ética e espírito público nos procedimentos políticos e administrativos do Acre”. Vejam os principais trechos da entrevista:
Notícias da Hora – Como o senhor conseguiu se eleger sem comprar votos?
Jarude – Acredito que seja pelo nosso modelo e consistência de trabalho. Foram seis anos de dedicação à população. Em todas as votações, em que tive a oportunidade de me dar bem financeiramente, eu votei contra. Foi assim quando aumentaram a verba de gabinete dos vereadores e também quando decidiram pelo aumento do número de assessores. Ou ainda, quando a prefeitura aumentou o número de cargos comissionados, número recorde, inclusive. A população entendeu a nossa filosofia de trabalho e hoje estamos colhendo os frutos de tudo isso.
Notícias da Hora – E que trabalho foi esse?
Jarude – Fizemos mais com menos. Todos sabem da redução da minha estrutura de gabinete, o que vai render, até o final deste ano, cerca de 500 mil reais em economia para o erário. Ao mesmo tempo, tivemos uma produtividade quase recorde na Câmara, ou seja, foram muitas indicações de melhorias, projetos de leis, emendas ao orçamento, entre outras ações parlamentares, que totalizam cerca de dez mil. Também fizemos um levantamento de quase sessenta anos de produção legislativa, que não eram digitalizadas, e agora estão disponíveis. Esse trabalho tinha como propósito identificar leis que atrapalhassem a vida do cidadão, bem como, descartar projetos de pouco ou nenhuma relevância, como, por exemplo, O Dia do Fusca.
“Falta ética e espírito público na política”
Notícias da Hora – O senhor pode destacar os seus projetos mais importantes?
Jarude – Tivemos emendas ao plano plurianual, entre as quais a que cria a Guarda Municipal. Apresentamos um projeto que irá transformar o lixo doméstico em energia, numa parceria público-privada, que não necessita de desembolso da prefeitura. Também apresentamos soluções para melhorar o atendimento no Mundo Azul (Centro de Atendimento Educacional Especializado às Pessoas com Autismo). Solicitamos que as nossas unidades educacionais fossem comtempladas com estruturas digitais, uma vez que temos cerca de 100 escolas e creches sem laboratórios de informática. Também apresentamos um plano para castração de animais em situação de rua, que irá reduzir bastante essa população. Apresentamos emendas para adquirir uma Van, que vai garantir o transporte de crianças autistas durante o tratamento. Também adquirimos o primeiro Castra-móvel (veículo) do estado, com todos equipamentos, além de motoniveladoras, entre outros equipamentos importantes, quadras poliesportivas e emendas para pavimentação. O nosso mandato foi além da esfera de um vereador. Ah, também apresentamos projetos de lei para melhorar a transparência do município, entre os quais a plataforma de fiscalização de obras públicas. Criamos um projeto de lei para que, nos locais de atendimento, sejam estampados o símbolo do autismo para que as pessoas, acometidas por esse transtorno, tenham atendimento prioritário. Também apresentamos o projeto Câmara + Transparente, que, infelizmente, não foi aprovado. Por fim, fizemos um estudo para saber o preço das diárias usufruídas pelos vereadores, que estão acima dos preços de outros estados.
Notícias da Hora – Como o senhor se define ideologicamente?
Jarude – Eu penso que essa dicotomia já foi totalmente superada. Eu foco nos problemas básicos e estruturais do Estado como, por exemplo, propor soluções para não ver pessoas saindo de casa com sacolas amarradas aos pés. Como eu posso ficar indiferente vendo as pessoas comprar água morando na Amazônica? Sete em cada dez acreanos não sabem o que é saneamento básico. Somos o segundo pior estado quando o assunto é liberdade econômica. Isso dificulta os negócios e faz aumentar o desemprego e outras mazelas sociais. Esse maniqueísmo não resolve nada desses problemas que eu citei. No aspecto econômico, sou favorável à desburocratização, à digitalização dos procedimentos administrativos e à redução da carga tributária. Também sou municipalista. Acredito e defendo o pacto federativo para que os municípios tenham mais autonomia e mais recursos.
“Podemos ser um estado desenvolvido, com um povo próspero e feliz”
Notícias da Hora – O Acre é o segundo estado mais pobre do país. O que o senhor e a Assembleia Legislativa podem fazer para nos tirar dessa situação?
Jarude – Precisamos agir em duas frentes: a primeira é a agroindustrialização. Esse modelo forma uma bem definida cadeia produtiva, englobando os três setores da economia, começando com a agricultura cujos produtos seriam processados (indústria) e agregariam valor. Por último, eles seriam exportados (comércio) gerando divisas. Essas matérias primas, que são as nossas culturas vocacionais, estão no zoneamento ecológico/econômico do Estado. Existe um professor universitário que afirma: o Acre pode ficar rico apenas com a mandioca e a banana. Mas, existem também o Buriti, o Açaí, a Cana-de-açúcar e a fruticultura de um modo geral. O papel do poder público seria de garantir a infraestrutura adequada e necessária para a produção em escala maior, além de criar um ambiente favorável, com incentivos e isenções, para a instalação de indústrias desses produtos. Existe consumo de banana chips no mundo inteiro. Os países caribenhos produzem, industrializam e exportam para os EUA, Canadá e Europa. Da mesma forma, a banana e a mandioca também seriam alternativas para a nossa região, pois agregaríamos valor e geraríamos empregos. A segunda frente é a base da indústria mundial, que é a biodiversidade, e os medicamentos e cosméticos lideram isso. Podemos trabalhar com a tecnologia ambiental, a bioeconomia, que seria a utilização dos produtos da floresta para alavancar o desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida da população. É possível aliar conservação ambiental com desenvolvimento e equidade social. Podemos ser um estado desenvolvido, com um povo próspero e feliz.
Notícias da Hora – Para isso tudo acontecer, é preciso existir uma infraestrutura adequada. E esse é um dos principais gargalos da nossa economia. Comente sobre isso
Jarude – Garantir a infraestrutura é papel do Estado. No passado, o governo quis ser empresário ou sócio em empreendimentos. É preciso também envolver a nossa bancada federal. Estima-se que, só para a manutenção da BR 364, o governo federal precisa desembolsar entre R$ 200 a 300 milhões anualmente. Para mantê-la igual a outras rodovias federais, o gasto vai para R$ 2 bilhões. Temos que convencer o governo federal a fazer esse investimento aqui. Isso precisa ser o foco do governo do Estado.
Notícias da Hora – Mudando de assunto, o senhor foi convidado para compor a base de sustentação do governo?
Jarude – Até agora não. Vamos colaborar com o governo como estamos fazendo na prefeitura. Isso não significa acomodação em cargos ou troca de favores, práticas nada republicanas. Queremos o melhor para os acreanos. Os projetos que forem nesse sentido votaremos a favor. Quanto a projetos descabidos ou que atravanquem o nosso desenvolvimento, como o aumento da máquina pública, estaremos do lado contrário. Todas as vezes que fizemos denúncias foram fundamentadas e entregues ao Ministério Público. Foi assim que conseguimos evitar o maior esquema de corrupção da Secretaria Municipal de Saúde. Aquela da compra superfaturada de álcool em gel. Também foi dessa forma que denunciamos a Máfia do Led. Fiscalizar o Poder Executivo é o principal papel de um parlamentar.
Notícias da Hora – O senhor vai tentar abrir a “caixa preta” da Assembleia Legislativa?
Jarude – A Câmara Municipal melhorou significativamente no quesito transparência. O portal já divulga os gastos com diárias dos vereadores, servidores e assessores, bem como os contratos feitos pela direção do Poder. Claro que ainda precisa avançar. Na minha opinião, deveria ter, no portal, toda a produção parlamentar do vereador, inclusive o registro de suas ausências, salários e tudo mais. Quanto à Assembleia legislativa, vamos dar transparência de tudo aquilo que um deputado tem a sua disposição. E isso é tão somente o cumprimento das leis. No Congresso Nacional é dessa forma, além de prefeituras e Assembleias Legislativa Brasil afora.