De dimensão continental, o Brasil tem parte considerável de seu Produto Interno Bruto (PIB) oriundo do agronegócio, rivalizando com os EUA quem é o maior produtor de alimentos do mundo. Há décadas a fronteira agrícola chegou ao vizinho estado de Rondônia. O Acre, por sua vez, era o único estado da federação que não havia compreendido o quanto esse setor é estratégico.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), é possível aumentar em 20 vezes o faturamento da nossa produção rural em áreas já desmatadas. Para isso se efetivar, é preciso existir uma regularização fundiária, acompanhada por uma política agrícola de estado, com assistência técnica continuada, melhoramento de ramais, acesso à energia convencional e à solar, internet via satélite, serviços de saúde e educação, além da abertura de linhas de crédito para o financiamento da produção e aquisição de equipamentos agrícolas.
A desburocratização dos licenciamentos ambientais começou a criar um ambiente de negócios no Acre. O produtor rural, Jorge Moura, por exemplo, usufrui anualmente de três safras (soja, milho e boi). Utilizando-se do sistema de Integração lavoura-pecuária, que é uma rotação de culturas, o produtor concilia a pecuária bovina com a produção de grãos em uma mesma área de terra.
À frente desse “admirável mundo novo”, uma vez que tínhamos saído do combalido extrativismo para o nada, está o secretário de Estado de Produção e Agronegócio, Edivan Azevedo, de 58 anos. “É uma imensa satisfação contribuir com esse novo momento do Acre. A cada ano, aumentamos a produção de soja e milho e já estamos fabricando a ração, que vai alavancar a criação de aves, suínos e peixes”, cita ele, para quem é possível conciliar a produção rural com a conservação ambiental.
Formando em Medicina Veterinária pela Universidade do Ceará e servidor de carreira da SEPA, já executou vários programas da Pasta, além de ter sido presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Acre e vice-presidente da Federação Agricultura do Acre (Faeac). Também contribuiu com o setor, especificamente na erradicação da febre aftosa e no melhoramento genético do nosso rebanho bovino.
Em seu gabinete, ele recebeu a nossa reportagem e concedeu a seguinte entrevista:
Notícias da Hora – Como o senhor avalia a pecuária acreana nas últimas décadas?
Edivan Azevedo – Quando cheguei ao Acre, em 1988, a pecuária tinha muitas dificuldades de acesso às biotecnologias da reprodução, a inseminação artificial, por exemplo. Naquela época nem touros PO (Puro de Origem). Não tínhamos inseminadores nem a estrutura necessária para a reprodução artificial (inseminação e transferência de embriões). Me impus a esse desafio, ou seja, implantar a inseminação artificial no Acre. O trabalho de conscientização se assemelhou a uma evangelização. Aos poucos fomos rompendo as dificuldades, capacitando a mão de obra, importando o nitrogênio de São Paulo e trouxemos uma empresa de inseminação, que foi a Lagoa da Serra. Também implantamos um programa estadual para atender o pequeno criador. Uma década depois, o Acre era o estado que mais inseminava, proporcionalmente, suas matrizes. Em 1992 me coloquei à disposição dos pecuaristas que iniciavam a seleção genética de zebuínos e fui me credenciar na ABCZ (Associação Brasileira dos Criadores de Zebu) como técnico para efetuar o serviço de registro genealógico dos rebanhos selecionadores do Acre. Hoje temos um rebanho reconhecido como de excelente qualidade, o que muito me orgulha. E neste governo, no final da minha primeira passagem pela SEPA, inauguramos a usina de nitrogênio líquido, permitindo de vez o acesso de todos às biotecnologias da reprodução.
“A vocação do Acre é a produção rural”
Edivan Azevedo
Notícias da Hora - Como se deu esse processo de retirada da vacinação de Aftosa e qual é o benefício disso?
Edivan Azevedo – Em agosto de 2020, depois de décadas e intenso trabalho feito pelo Instituto de Defesa Agroflorestal (Idaf), sempre com parcerias com a iniciativa privada através do Fundepec, conseguimos o certificado de zona livre de aftosa sem vacinação. No ano seguinte, em março, o Acre foi coroado com o status livre de aftosa sem vacinação com reconhecimento internacional. Isso nos garante mais qualidade nos produtos de origem animal e a possibilidade de acesso a mercados mais exigentes e que pagam melhor.
Notícias da Hora – A cada ano, a produção rural do Acre cresce e já despontamos como uma nova fronteira agrícola. Como o senhor avalia esse novo momento?
Edivan Azevedo - A vocação do Acre é a produção rural. Digo que, com a eleição do governador Gladson Cameli em 2018, foi dada a partida do agronegócio no Estado. Gerou confiança e segurança no produtor rural para investir destacadamente na produção de soja. Partimos de pouco mais de 300 ha para quase 10 mil ha em 4 anos. No milho também avançamos muito em produção e produtividade. Saímos do estágio de importador para o de autossuficiência e exportador. Já temos indústrias de ração para bovinos, suínos, aves e animais pet que utilizam essa matéria prima produzida no Acre. Segundo a Embrapa, o Acre tem 400 mil ha agricultáveis na região leste do Estado. Com o uso dessas áreas no sistema de produção de integração lavoura-pecuária, temos condições de alavancarmos muito a nossa agricultura e pecuária nos próximos anos.
Notícias da Hora – Essa área que o senhor citou, juntamente com o noroeste do estado de Rondônia e o sul do Amazonas, forma o que ficou conhecido por Amacro, que é um Acrônimo das letras iniciais dos três estados. Comente sobre isso.
Edivan Azevedo – Essa ideia da Amacro, que é a atual Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira, nasceu dentro da Federação da Agricultura em 2018 e foi abraçada pelo secretário que me antecedeu, o Paulo Wadt. Quando assumimos a SEPA demos sequência nos trabalhos de implantação e passou a ser comandada pela Sudam e Suframa. Ao todo, a região abrange 32 municípios nos três estados. Temos muita coisa em comum, principalmente burocracias que precisam ser destravadas. E aí contamos com três governadores, nove senadores e 24 deputados federais, além das três federações da Agricultura, da Indústria e do Comércio. A interligação da região em definitiva, através da Ponte do Madeira, ajudou bastante essa articulação.
Notícias da Hora - Qual o Valor Bruto da Produção (VBP) atual e a projeção para os próximos 4, 10 anos?
Edivan Azevedo - O Ministério da Agricultura tem projetado para este ano de 2022 o VBP do Acre em 2,6 bilhões, tendo a pecuária bovina, mandioca e milho como os três principais produtos. Projetamos para 2026 o VBP de 5,1 bilhões e em 2032 8,1 bilhões. O VBP é o faturamento bruto dentro dos estabelecimentos rurais, considerando as produções agrícolas e pecuárias e a média de preços recebidos pelos produtores.
Notícias da Hora - Como anda a estrutura de armazenamento da produção, silos e armazéns?
Edivan Azevedo - O Estado tem 6 silos graneleiros que está sob concessão em parceria público privada em pleno funcionamento. Tem armazéns sob gestão da CAGEACRE em vários municípios e que estão passando por reforma e ampliação para atender a demanda da agricultura familiar. A iniciativa privada está investindo em 10 novos silos graneleiros no eixo da BR 317. E o governo tem o projeto de construção de dois mega silos graneleiros, nos próximos quatro anos, para reforçar a estrutura de secagem e armazenagem de grãos.
Notícias da Hora – Qual é a sua proposta para a agricultura familiar?
Edivan Azevedo – O Acre tem 38 mil estabelecimentos rurais e, desses, 80% é de pequenas propriedades familiares. Para alavancar a produção familiar, agora, na minha segunda gestão da SEPA, iniciamos o projeto MECANIZAR + visando atender as principais demandas do setor: destoca, mecanização agrícola e açudagem (reservatório de água). Neste ano vamos concluir cinco mil hectares de destoca e mecanização e 500 tanques de água, atendendo mais de dois mil e quinhentos produtores. Estamos concluindo o processo licitatório (emenda parlamentar do Senador Márcio Bittar) para aquisição de 147 máquinas, equipamentos e implementos agrícolas, para que, nos próximos quatro anos, possamos fazer uma ação muito mais robusta. Esperamos atender cerca de 20 mil produtores rurais, com destoca e mecanização agrícola, e construiremos 10 mil reservatórios de água para irrigação nas pequenas propriedades nos próximos quatro anos. Também vamos investir no fomento da cultura do café e açaí e montar 10 vitrines tecnológicas para o plantio de cacau. Só para o próximo ano, pretendemos investir R$ 300 milhões neste setor.
Notícias da Hora – Como anda a execução do projeto Pecuária + Eficiente do REM KFW?
Edivan Azevedo – Esse projeto leva ao pequeno produtor de gado (corte e leite) o conhecimento técnico nas áreas de gestão, sanidade, nutrição, melhorando genético e manejo dos animais. Está em plena execução, com 18 unidades demonstrativas montadas, com equipe técnica capacitada e atualizada. Nesse momento, estamos distribuindo 2 mil toneladas de calcário dolomítico para mais de 200 pequenos produtores de gado a fim de que possam corrigir os solos e suas pastagens serem mais produtivas. Também vamos fazer instalações de placas solares e assim começarem a produzir sua própria energia. O objetivo desse projeto, gerido pelo programa REM e financiado pelo banco KFW, é dar ao pequeno criador melhores condições de produção e de maneira sustentável.
Notícias da Hora – O senhor acredita que a agroindústria possa gerar emprego e renda, principalmente nos municípios mais afastados?
Edivan Azevedo – A agroindústria é uma alternativa para essas localidades, focando, é claro, nos produtos vocacionais. Em Tarauacá temos a banana e o abacaxi grande, em Feijó o açaí, e, em Cruzeiro do Sul, a farinha e os seus derivados. Esta, inclusive, já possui o selo de Identificação Geográfica (IG). Temos um grande potencial na produção de frutas, que podem ser industrializadas e assim agregar mais valor na produção. Recentemente, o governo do Estado fez cessão de uso de uma estrutura frigorífica em Cruzeiro do Sul para uma agroindústria de frutas, um exemplo de como as coisas podem dar certo. Vamos investir muito na cadeia do açaí, principalmente no pós-colheita, para que ele chegue com qualidade nas indústrias. Em termos de nutrição, o nosso açaí tem mais valor do que o paraense. Aqui podemos cultivar duas variedades e produzirmos o fruto o ano inteiro, ou seja, o nativo e o de cultivo. São oportunidades que precisam ser aproveitadas.
“Como diz o governador, o agronegócio já deu certo”
Edivan Azevedo
Notícias da Hora – Para existir empreendedorismo rural no Acre, entre outros fatores, é preciso ter uma regularização fundiária e financiamentos. Comente sobre isso.
Edivan Azevedo – A maior fatia da regularização fundiária rural passa pelo governo federal, mais especificamente pelo Incra. Temos feito parcerias, disponibilizando servidores, com o intuito de ajudar nesse processo. Vinte e sete por cento da população do Acre está na zona rural e, destes, 48% é formado por pessoas que moram em assentamentos. Urge essa regularização. O empreendedorismo rural é fundamental para alavancarmos a produção, que também passa pelo crédito, subsidiado pelo governo federal, através dos bancos oficiais, com recursos disponibilizados pelo Plano Safra. A cada ano esses valores têm aumentado e o acesso também.
Notícias da Hora - Como anda a restruturação da Central de Incubação de Ovos para a produção de pintos caipiras?
Edivan Azevedo - Quando assumimos a gestão da SEPA, encontramos a Central de Incubação fechada por não apresentar condições técnicas e sanitárias para funcionamento naquele local. E isso tem causado sérios prejuízos para a avicultura familiar pela dificuldade e/ou impossibilidade na aquisição dos pintos de um dia. Sabemos que essa atividade desempenha um papel fundamental na segurança alimentar e geração de renda na agricultura familiar. Buscamos recursos financeiros no banco KFW através do programa REM e acaba de ser aprovada a construção de uma nova Central de Incubação, num local apropriado, e que atenda as exigências sanitárias legais. E assinamos um acordo com a Acreaves para o fornecimento mensal de 12 mil pintos, até o pleno funcionamento da nova unidade, e assim atender de imediato o mínimo da demanda. A nova central produzirá 560 mil pintos caipiras por ano.
Notícias da Hora - Em resumo, quais os grandes desafios do agro para o futuro no Acre?
Edivan Azevedo - Uma produção florestal com normativas legais e num ambiente político-institucional equilibrado; uma produção agropecuária com menos burocracia ambiental e normativa legal (licenciamentos), dotação de infraestrutura (estradas, silos e armazéns), agroindustrialização, apoio à agricultura familiar, assistência técnica com visão holística, atração de capital agrário, inovação tecnológica e abertura de mercados.
Notícias da Hora - E quais as tendências do futuro?
Edivan Azevedo – A intensificação da pecuária de corte e produção integrada de pequenos e médios animais; o fortalecimento da cadeia produtiva da castanha-do-brasil; a consolidação da cadeia da madeira; a consolidação da agricultura familiar (frutas, mandioca, leite); a cafeicultura (autossuficiência e qualidade); o uso de sistemas de produção integrados (ILPF, SAFs, recuperação de áreas); e a expansão da produção de grãos da soja, milho, feijão e arroz.