A parte invisível que separou os pastores Paulo Machado, Reginaldo Silva e José Ildson do Palácio Rio Branco desmoronou. Nomeações no governo do Acre e no Senado Federal revelam plano neopentecostal baseado na confissão religiosa para barrar alterações consideradas antinaturais. Mas será que tudo é em nome de Jesus?
A nomeação do pastor José Ildson como assistente parlamentar pleno no gabinete da senadora Mailza Gomes (Progressista-Ac) com salário de R$ 11 mil era o ato que faltava para ele e os pastores Paulo Machado e Reginaldo Silva começarem a planejar uma verdadeira cruzada no combate ao que consideram antinatural.
Temendo que o comunismo, a total banalização de valores e o cerceamento da liberdade religiosa se instale definitivamente no Brasil, os líderes religiosos manifestavam apoio abertamente ao presidenciável Jair Bolsonaro nas eleições do ano passado.
No Acre, essa movimentação foi diferente, mesmo com a tendência de vitória apontada nas pesquisas de pré-campanha para Gladson Cameli (Progressista), o pastor José Ildson ainda tentou levar Reginaldo e Machado para o palanque do coronel Ulisses, que se apresentava com maior afinidade de pensamento, defendendo bandeiras do movimento como a discussão de identidade de gênero e novos formatos familiares.
Sem a confissão de Cameli – que orientado pelo marketing de campanha – se posicionou como candidato de todas correntes e pensamentos, Ildson chegou a romper com o projeto progressista voltando de corpo e alma somente no período eleitoral e quando Cameli disparou nas pesquisas de intenções de votos.
Coube ao pastor Paulo Machado a condução de apoio à Gladson Cameli junto com o líder Reginaldo, mas sem o envolvimento direto da Associação dos Ministros Evangélicos do Estado do Acre, a AMEACRE, e as igrejas pastoreadas pelas lideranças.
Foi nos bastidores, com campanhas nas redes sociais, gravação de vídeos e lançamentos de artigos que o trio participou da eleição pró-Cameli e manifestou apoio a Jair Bolsonaro no cenário nacional. Eles substituíam a velha máxima de que ‘crente não se mete em política’ mostrando a importância da formação de uma bancada evangélica forte e a eleição de pessoas comprometidas com a Igreja.
Fé e política se mesclaram no primeiro turno da campanha e o resultado da eleição que levou Gladson Cameli ao governo foi comemorado. Pastor Ildson foi um dos oradores no carro de som montado em frente ao Palácio Rio Branco na noite de 7 de outubro de 2018. Paulo Machado foi o orador eclesiástico no cerimonial de posse do novo projeto político empossado no dia 1 de janeiro.
Atuante nas redes sociais, Machado tem feito defesa velada do presidente Jair Bolsonaro em sua página de facebook. Em uma das últimas postagens, manifestou apoio ao ministro da educação Ricardo Rodríguez, que se envolveu na polêmica sobre o cântico do hino nacional nas escolas.
“A doença existe, o remédio é amargo e o paciente nunca quer tomar, mas a cura só vem com a medicação. Os comunistas não amam o Brasil nem o hino nacional. Por isso estão se posicionando contra a determinação do MEC. Abra a boca e tome o remédio”, escreveu o pastor.
Tudo em nome de Jesus?
O que estar por trás do apoio de pastores ao governo de Gladson e do presidente Bolsonaro
Nomeado na secretaria de educação, o Pastor Paulo Machado faz parte do movimento neopentecostal onde seus fiéis estão estruturados em um mecanismo piramidal. Ele tem revelado a pessoas de extrema confiança dentro da Ameacre o objetivo de realizar uma grande cruzada em todo o Estado, numa espécie de reforma ao pensamento comunista e na defesa da ordem como única garantia do crescimento econômico.
Machado levará debaixo do braço o Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política, que visa além do crescimento da Igreja em todo o país, o fortalecimento de debates em torno de temas como valorização da vida e da família.
Segundo um dos pastores do grupo que falou com o Notícias da Hora, mas pediu para ter a identidade preservada, o pastor Paulo Machado aposta em todas contribuições para colocar em prática sua cruzada, inclusive, de confissões religiosas.
Mas nem tudo é didático. Um movimento estrutural de crescimento dos evangélicos na política está em eleições proporcionais pelo país desde os anos 80. Aí parece entrar em cena o pastor Ildson e seu novo endereço profissional de assessoramento à senadora Mailza Gomes que foi empossada dia 2 de janeiro, substituindo Gladson Cameli no Senado, em Brasília.
Mailza ao assumir o cargo engrossou a estatística de crescimento da bancada evangélica no Senado, que saltou de 3 para 7 senadores. Na Câmara dos Deputados foram eleitos e reeleitos 84 deputados identificados com as demandas, crenças e convicções deste segmento.
Ildson não revelou que garantias deu para ser nomeado em um dos cargos do mais alto escalão do Senado, mas a senadora acreana que frequenta os templos da Igreja Quadrangular pode ser o instrumento para as ações do movimento neopentecostal do Acre em Brasília. Uma das bandeiras que deve cair no colo de Mailza é o Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política e a relatoria de temas importantes de defesa do segmento.
Experientes, Machado, Reginaldo e Ildson estão de olho na chamada classe C religiosa que será mais representativa nos próximos anos. O embasamento para o movimento de seus fieis e a expectativa de poder é cientifico, a população do Acre é a mais evangélica pentecostal do país, com 28,43%. Em Rio Branco, esse percentual chega a 40%.
O Brasil tinha 6,6% de evangélicos em 1980. Passou para 9% em 1990; 15,6%, em 2000; 22%, em 2010; terminará a década, segundo projeções, com 30%. Pelo ritmo do avanço, teremos mais evangélicos que católicos no país a partir de 2040.
As regalias palacianas – além de encabeçarem o movimento neopentecostal no Acre, com a coragem de combater o perigo comunista, os pastores não escondem a satisfação de frequentarem os tronos da nobreza palaciana em Rio Branco e em Brasília. Pastor Ildson já foi visto com modernos ternos nos corredores do salão azul.
Resta saber que amparo legal Machado e Reginaldo encontrarão para desenvolver o ambicioso projeto religioso no Acre, uma vez que as nomeações exigem dedicação exclusiva. Até agora, nenhum dos dois pastores foram vistos na Secretaria de Educação do Estado ou nos corredores da Secretaria de Comunicação, pastas para os quais foram nomeados. O mesmo impedimento pode sofrer o pastor Ildson, nomeado como assessor parlamentar da senadora Mailza Gomes em Brasília.
Defensores dos ensinamentos bíblicos, o trio entra no polêmico debate sobre política e púlpito.
Diretor da Santa Casa e pastor José Ildson acumula cargo com
salário de R$ 11 mil no gabinete da senadora Mailza Gomes
Mesmo um Ato da Mesa Diretora do Senado Federal (Ato nº 27 de 2014) oriente que servidores efetivos e comissionados não acumulem cargos públicos, a senadora Mailza Gomes (PP) mantém lotado em seu escritório de apoio o diretor da Santa Casa de Rio Branco, pastor José Ildson Viana Barbosa.
José Ildson Viana Barbosa ocupa o cargo em comissão na função assistente parlamentar pleno (AP-11). No portal da Transparência do Senado, ele aparece como ativo e os proventos pagos pelo erário público chegam a R$ 9.686,17, líquidos.
O Ato Nº 27, em seu artigo 170 é claro: “Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos” e acrescenta no inciso 2º, “A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários”.
Ou seja, mesmo que Ildson prestasse serviço à senadora no Acre, haveria incompatibilidade de horários, isso porque ele responde pela direção da Santa Casa de Misericórdia, função que exige dedicação exclusiva.
Os artigos 171 e 172 são taxativos. O primeiro diz: “A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos estados e dos municípios”.
E o segundo acrescenta: “O servidor não poderá receber simultaneamente por mais de uma função comissionada, nem participar de mais de um órgão de deliberação coletiva, salvo como membro nato”.
Também no referido Ato expedido pela Diretoria do Senado Federal diz que caso seja verificada “acumulação proibida”, cabe ao servidor optar por uma das funções ou cargos em que ocupa.
O outro lado
O diretor-geral da Santa Casa de Misericórdia, pastor José Ildson disse ao Notícias da Hora que sua permanência na direção da unidade hospitalar e o cargo no Senado Federal não configuram acúmulo de função. Isso porque ele não recebe proventos da Santa Casa, o trabalho é voluntário.
Ele destaca que antes de aceitar o convite de Mailza Gomes (PP) procurou se informar a respeito do assunto. Ao ser questionado se não seria melhor deixar o cargo de diretor, ele respondeu que não é necessário.
“Estou como diretor. Eu não tenho vínculo empregatício. Eu não recebo salário. Sou voluntário. Não respondo não, tem outros diretores que respondem. Eu não assino nenhum documento aqui de nada. Eu sou diretor-geral, mas mais na parte de voluntário. Como a Santa Casa é uma entidade filantrópica, eu vim mais para ajudar a questão dos sócios, ajuda com as pessoas doentes, mas administrar de modo geral não é comigo não”, pontua o diretor-geral.
Ao comentar sobre a incompatibilidade de horários para as duas funções e o possível desligamento de um dos cargos, ele foi pontual: “Trabalho no gabinete dela aqui. Na Santa Casa eu não tenho horário especifico, porque eu trabalho só um projeto junto aos sócios, para ajudar mais as igrejas. Não tenho necessidade disso, até porque não tenho vínculo financeiro. Eu sou advogado e sondei isso bem antes”, destaca.
Entramos em com a assessoria política da senadora Mailza Gomes. Fomos informados que a nossa solicitação foi enviada ao gabinete da parlamentar em Brasília, para a assessoria administrativa. E, na segunda-feira (11) um posicionamento mais claro a respeito do assunto será dado. De acordo com a assessoria de Mailza, o período de carnaval dificulta o acesso às informações administrativas.