É a primeira vez que um candidato à Presidência não reconheceu a derrota no mesmo dia desde que o país adotou a urna eletrônica, com apuração rápida
O presidente Jair Bolsonaro (PL) manteve o silêncio ontem após sua tentativa frustrada de reeleição. Segundo auxiliares, ele acompanhou a apuração no Palácio da Alvorada ao lado de familiares, após votar pela manhã no Rio, e evitou contato com aliados ao longo do dia. Foi a primeira vez que um candidato à Presidência não reconheceu a derrota no mesmo dia desde que o país adotou a urna eletrônica, que permite conhecer o resultado horas após a votação.
Integrantes de sua campanha tentaram encontrá-lo durante a apuração, mas Bolsonaro sequer os atendeu. Pediu a assessores para avisar que preferia permanecer sozinho e que entraria em contato na segunda-feira de manhã. Por volta das 22h, as luzes do Alvorada se apagaram e a informação era de que ele foi dormir. No início da noite, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, chegou a se dirigir à residência oficial. Parou na portaria e, após alguns minutos ao telefone, deu meia-volta.
O silêncio de Bolsonaro foi seguido por seus auxiliares mais próximos, que evitaram comentar o resultado à espera de um posicionamento do presidente. Dois dos coordenadores de campanha, os ministros Fábio Faria (Comunicações) e Ciro Nogueira (Casa Civil) publicaram apenas fotos ao lado do presidente nas redes sociais com mensagens de apoio. “Para sempre ao seu lado, capitão”, escreveu Ciro em seu perfil no Instagram.
Conhecidos pela presença constante nas redes sociais, os filhos do presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), não publicaram nada.
Ao longo dos últimos meses, Bolsonaro levantou suspeitas sem provas sobre as urnas eletrônicas, indicando que poderia contestar o resultado em caso de derrota. Na reta final, contudo, mudou de tom e se comprometeu a respeitar as urnas.
— Quem tiver mais votos leva. É isso que é a democracia — disse em entrevista após o debate da TV Globo, na sexta-feira passada.
O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, relatou ter telefonado para Bolsonaro para anunciar que proclamaria o resultado. Segundo o magistrado, foi atendido com “extrema educação”.
Aliados reconhecem
Apesar do silêncio de Bolsonaro, aliados dele reconheceram o resultado nas redes sociais. Personagem simbólico da ala ideológica do bolsonarismo, o ex-ministro do Meio Ambiente e deputado federal eleito Ricardo Salles (PL-SP) foi um dos primeiros a reconhecer publicamente a derrota do ex-chefe. Num tom sóbrio, foi às redes sociais para pedir serenidade. “O resultado da eleição mais polarizada da história do Brasil traz muitas reflexões e a necessidade de buscar caminhos de pacificação de um País literalmente dividido ao meio. É hora de serenidade”, escreveu.
Um dos principais conselheiros de Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia também admitiu a legitimidade da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito presidente da República para o terceiro mandato. “A vontade soberana do povo se estabeleceu. Não fui omisso nem covarde, tenho minha consciência limpa do meu dever cumprido. A minha oração, como diz a Bíblia, é interceder pelas autoridades constituídas”, escreveu ele em suas redes sociais.
Depois, ao GLOBO, rechaçou a possibilidade de apoiar qualquer contestação ao resultado das eleições:
— Cada um é responsável por seus atos. Eu não posso responder por Bolsonaro. Quando alguém diz que não reconhece o resultado de uma eleição, ele tem que ter provas terrivelmente consubstanciosas para fazer essa declaração.
Carla Zambelli (PL-SP), deputada reeleita, foi outra a olhar para frente. Ela usou as redes sociais para avisar que fará oposição ferrenha ao futuro governo do petista. “O sonho de liberdade de mais de 51 milhões de brasileiros continua vivo. E lhes prometo, serei a maior oposição que Lula jamais imaginou ter”, postou no Twitter.
A ex-ministra e senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) também enalteceu a eleição de parlamentares aliados ao atual presidente. “Bolsonaro deixará a Presidência da República em janeiro de cabeça erguida, com a certeza do dever cumprido e amado por milhões de brasileiros”, escreveu ela.
À espera de um milagre
Um grupo de apoiadores de Bolsonaro chegou a se aglomerar na Esplanada dos Ministérios na tarde de ontem para acompanhar a apuração. Um trio elétrico foi montado próximo ao Congresso e começou a tocar as músicas do campanha do candidato pouco antes do inicio da contagem de votos. Com o presidente largando na frente, o clima era de muita animação. Apoiadores vestiam camisa amarela, portavam bandeiras, bonés e não economizavam nas buzinas.
A situação começou a mudar quando Lula ultrapassou Bolsonaro durante a apuração, pouco antes das 19h. Algumas pessoas começaram a deixar o local enquanto o animador do trio tentava empolgar apoiadores, dizendo que ainda faltavam milhões de votos.
Conforme a apuração avançava, o trio passou a comandar orações, com pessoas de joelho no gramado pedindo um milagre, uma virada de última hora. Com a proclamação do resultado, houve gritos chamando Lula de “ladrão” ou denunciando fraude nas eleições. Por volta das 20h, com a Esplanada praticamente vazia, o animador do trio passou pedir que as pessoas permanecessem ate o pronunciamento do presidente.