Na volta do passeio que fez às localidades ao redor de Brasília, neste domingo (29), o presidente Jair Bolsonaro voltou a se posicionar contra o isolamento social mais geral, defendido por autoridades de saúde do mundo inteiro. Defendeu apenas o isolamento de idosos e de grupos de risco. Usando seu linguajar costumeiro, disse que é preciso poupar vidas, mas que todos vão morrer um dia. E que é preciso atenção para o impacto da pandemia na economia.
“Temos um problema do vírus? Temos. Ninguém nega isso daí. Devemos tomar os devidos cuidados com os mais velhos, com as pessoas do grupo de risco. Agora, o emprego é essencial.”
“Essa é uma realidade, o vírus 'tá aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas enfrentar como homem, porra. Não como um moleque. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Tomos nós iremos morrer um dia. Queremos poupar a vida? Queremos. Na parte da economia, o Paulo Guedes 'tá gastando dezenas de bilhões de reais, que é do Orçamento, que é dinheiro do povo, se bem que nem dinheiro é. Pegamos autorização do Congresso para estourar o teto, que vai ser paga essa conta lá na frente."
O presidente justificou seu passeio alegando que foi conhecer as necessidades do povo. Disse que não anunciou sua visita previamente, mas não comentou o fato de que a simples presença de um presidente atrai aglomerações, condenadas pelas autoridades de saúde porque aumentam a chance de contágio.
“Hoje é domingo, tem pouca gente na rua. Agora, eu não marquei nada em lugar nenhum. Foi tudo de forma inopinada. Vamos lá. Entra aqui, para aqui, já 'tava o povo lá dentro. Eu não juntei ninguém. 'Ah, junta aí, vamos fazer um oba-oba'. Nada disso. Fui reconhecido. Não teve nenhum grito por parte da população."
Bolsonaro afirmou que é contra o isolamento mais geral porque os trabalhadores precisam ganhar o seu sustento. Mas, em outra parte, lembrou que o governo e a Câmara aprovaram uma ajuda de R$ 600 por três meses a ser paga aos informais, limitada a dois membros de cada família. Não comentou o que especialistas vêm dizendo: que, se essa ajuda é considerada insuficiente, cabe apenas a ele, presidente, aumentá-la de forma emergencial, como chefes de estado de todo o mundo vêm fazendo.
"Nós vai (sic) condenar esse cara a ir pra dentro de casa? Ficar dentro de casa, ele não tem poupança, não tem renda. A geladeira dele, se tiver, já acabou a comida, porque tem que trabalhar. Tem que sustentar a família. Tem que cuidar dos seus filhos".
"Temos um problema mais sério no momento. Essas pessoas informais, que nunca tiveram voz em lugar nenhum, tiveram agora que arranjar R$ 600 para eles".
As autoridades sanitárias do mundo inteiro defendem que todos os que puderem fiquem em casa para diminuir os riscos de quem tem de trabalhar, como aqueles de setores essenciais, como saúde, transportes e fábricas, entre outros. Bolsonaro, porém, insiste num isolamento mais restrito, apenas de idosos e doentes crônicos. E deu um argumento, no mínimo, polêmico e sem comprovação estatística:
"Tem mulher apanhando em casa. Por que isso? Em casa que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão. Como é que acaba com isso? O cara quer trabalhar, meu Deus do céu. É crime trabalhar?"
Bolsonaro volta a contrariar recomendações do Ministério da Saúde
Passeio com aglomeração
Na manhã desde domingo (29), Bolsonaro saiu de carro da residência oficial do Palácio da Alvorada e foi a uma farmácia e a uma padaria no bairro Sudoeste, em Brasília, depois ao Hospital das Forças Armadas e ao centro de Ceilândia, uma das regiões administrativas do Distrito Federal.
Nas ruas, a presença do presidente provocou pequenas aglomerações, contrariando as recomendações do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS).
No Sudoeste, ouviu grito de "Abre o comércio, presidente". Uma mulher fez um apelo por isolamento. "Isolamento para nós, hein? Sem isolamento, a gente não vai conseguir". Outros desejaram boa sorte: "Presidente, Deus te ilumine".
Do Sudoeste, Bolsonaro seguiu para o Hospital das Forças Armadas. Na saída, se aproximou de pessoas e fez fotos, juntando o rosto ao de apoiadores que o aguardavam do lado de fora.
"Passei por lá também para ver como estava o fluxo de pessoas porventura chegando", afirmou Bolsonaro. Ele não quis responder ao ser indagado se fez exame. "Que pergunta, meu Deus do céu. Outra pergunta", disse.
Em seguida, foi ao centro de Ceilândia, onde uma aglomeração maior se juntou. Algumas pessoas, aparentemente, eram maiores de 60 anos, grupo mais vulnerável ao contágio do novo coronavírus.
O presidente parou para conversar com um ambulante que vende espetinhos de churrasco. O vídeo com a gravação da conversa foi postado na página de uma das redes sociais do presidente.
Medidas de isolamento no DF
Decreto do último dia 19 do governador Ibaneis Rocha (MDB), determinou o fechamento até o próximo dia 5 de lojas, bares, restaurantes e a proibição de cultos e missas no Distrito Federal devido ao coronavírus. Escolas também estão com as atividades suspensas. De acordo com o decreto, podem se manter em funcionamento clínicas médicas, laboratórios, farmácias, postos de gasolina, mercados, lojas de material de construção e padarias.
Sob o argumento de que as reações à crise são motivadas por "histeria" e "pânico", Bolsonaro vem defendendo a reabertura do comércio e de escolas, embora o Ministério da Saúde tenha posição contrária. O fechamento desses estabelecimentos é medida recomendada por especialistas como forma de conter a disseminação do coronavírus.
No sábado (28), Bolsonaro fez uma reunião com Luiz Henrique Mandetta e outros ministros no Palácio da Alvorada a fim de discutir medidas contra a crise do coronavírus.
No mesmo dia, uma juíza do Rio de Janeiro proibiu a veiculação da propaganda "O Brasil não pode parar", registrada em uma das páginas de redes sociais do governo e cujo vídeo foi compartilhado por parlamentares bolsonaristas. Segundo a Secretária de Comunicação da Presidência, o vídeo era de "caráter experimental" e não existe uma campanha publicitária sobre o assunto.