Instituto de Mudanças Climáticas está sem página na internet, o que tira transparência da aplicação de recursos da primeira fase de contrato com europeus
As taxas recordes de desmatamento registradas pelo Acre após 15 anos de relativo controle levarão o estado a perder até € 30 milhões (ou quase R$ 130 milhões) nos próximos três anos. O valor corresponde ao contrato firmado no fim de 2017, durante a Conferência do Clima da ONU na África do Sul, com os governos da Alemanha e do Reino Unido como compensação pelas metas de redução da destruição da floresta.
A verba referente ao ano de 2019, por exemplo, já não será repassada ao governo por o estado ter extrapolado - e muito - a meta de desmatamento prevista em contrato. O teto máximo tolerado é de 434 km2 por ano para que o Acre possa receber as parcelas dos 30 milhões de euros.
Para deixar a situação do Acre ainda mais delicada diante deste cenário, o governo alemão – por meio de seu banco de fomento KFW – estabeleceu uma linha mais conservadora para a tolerância ao desmatamento: 330 km2.
Em 2019, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento da Amazônia dentro do território acreano foi duas vezes maior: 688 km2; elevação de 55% em cotejo com 2018. Com este resultado, o governo Gladson Cameli não poderá contar com recursos do programa REM/KFW em caixa no ano de 2020.
Além dos danos ambientais, o desmatamento descontrolado acarreta prejuízos também para o orçamento de um estado pobre como o Acre. E o impacto recairá, sobretudo, nas comunidades rurais, indígenas e extrativistas, para onde devem ser destinados os recursos internacionais.
O objetivo do programa é oferecer mecanismos, alternativas e tecnologias para que essas famílias melhorem suas capacidades de produção, sem a necessidade de destruir novas áreas de floresta.
Os recursos do REM/KFW são gerenciados pelo Instituto de Mudanças Climáticas (IMC), que chegou a ser extinto na reforma administrativa do novo governo ainda em dezembro de 2018. Vendo a trapalhada que cometeu, viu-se obrigado a ressuscitá-lo junto com outras autarquias na “reforma da reforma” aprovada em maio pela Assembleia Legislativa.
O IMC, contudo, parece estar desestruturado. O instituto está sem sua página oficial na internet, o que tira a ferramenta de transparência que permitiria aos cidadãos acompanhar a execução dos recursos. Não se sabe, por exemplo, quanto o governo acreano ainda dispõe da primeira fase do contrato REM/KFW. Entre 2012 e 2017 o Acre já tinha recebido € 25 milhões (R$ 105 milhões).
Segundo a reportagem apurou, todos os contratos que tinham sido firmados nos últimos anos e os que estavam em processo licitatório foram cancelados pela atual presidência do IMC, que tem à frente Carlito Cavalcante.
Parte dos recursos depositados pelos europeus deveria ser aplicada no pagamento de subsídios para valorizar a economia extrativista, garantindo melhor valor de mercado a produtos como a borracha e o murmuru. Desde o começo do ano, contudo, o benefício não é repassado às comunidades. O governo alega revisão de contratos.
A consequência disso foi o aumento recorde do desmatamento dentro da Reserva Extrativista Chico Mendes, unidade bastante pressionada pela pecuária. Sem o incentivo oficial, muitos moradores abandonaram por completo o extrativismo, ampliando suas áreas de pastagem.
O total de área desmatada dentro da unidade aumentou 208% em 2019, quando comparado com 2018. No ano passado, o desmatamento acumulado no interior da unidade de conservação foi de 24,58 km2. Agora, em 2019, é de 74,48 km2.
Procurada ainda no começo da semana para comentar a questão, a presidência do IMC não se manifestou. A assessoria de imprensa informou que aguardava a volta de técnicos que estavam em campo para enviar as respostas.
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