Ex-ministro de Bolsonaro, general afirma que dever de Bolsonaro é se pronunciar e promover a paz social
O general Alberto dos Santos Cruz considera que o silêncio e a reclusão adotados por Jair Bolsonaro após sua derrota para Lula é um “negócio de covarde”. Em entrevista à coluna, o ex-ministro de Bolsonaro afirmou que é obrigação de um presidente se manifestar após as eleições e promover a “paz social”.
“Tem que olhar para frente, pô, quem ganhou tem que governar direito e quem perdeu tem que se organizar para ser oposição, esse é o padrão. Esse silêncio pode ser interpretado como um negócio de covarde de você esperar que o circo pegue fogo para ver como pode se beneficiar”, criticou.
Santos Cruz é autor do livro “Democracia na prática”, que escreveu a partir da perspectiva de quem apoiou Bolsonaro, foi seu ministro e foi demitido pelo presidente. Na obra, lançada neste mês pela editora Almedina, o general diz que o presidente e seus apoiadores usam uma “cartilha do totalitarismo” e agem “como seita”.
O ex-ministro aponta também, na entrevista que pode ser encontrada na íntegra abaixo, que o comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Júnior, errou em se envolver politicamente nas eleições — o militar postou foto se verde e amarelo no Twitter no dia das eleições e fez uma série de curtidas em postagens a favor de Bolsonaro e pedindo uma intervenção federal — e disse que espera que as Forças Armadas nunca mais se intrometam no processo eleitoral.
O Ministério da Defesa, junto de técnicos das Forças Armadas, publicaram um relatório no dia 10 de novembro afirmando não terem encontrado indícios de fraudes, mas que também não excluíam a possibilidade de que tenha gabidi ilícito.
“Não tem nada a ver com nenhuma expertise das Forças Armadas, não tem nada a ver com a função, são outras atribuições. Foi um erro ter aceitado o convite do TSE e ter produzido o relatório técnico com uma conclusão que deixou dupla interpretação. É uma arapuca que você entra e não consegue mais sair”, disse Santos Cruz.
Leia os principais trechos da entrevista abaixo.
No seu livro, o senhor fala que Bolsonaro e seus apoiadores têm características de seita. Por quê?
Isso aí eu percebi desde o início do governo, o comportamento de seita já era muito forte e ainda continua. A seita tem normalmente um ponto central, um guru, que não é contestado de maneira nenhuma, tudo que ele diz é verdade e todos os seguidores repetem, né? Aí você faz um ataque criminoso contra uma pessoa e aí toda a seita repete aquilo. Você abre o WhatsApp e 50% das mensagens são falsas. Esse povo aí na frente dos quartéis… Todo dia tem pelo menos uma ou duas mensagens falsas para mantê-los ali.
Como que o senhor viu a entrada das Forças Armadas nas eleições?
Isso aí, para mim, foi um erro grandíssimo. Eu espero que nunca mais as Forças Armadas participem do processo eleitoral, não tem nada a ver com a expertise das Forças Armadas, não tem nada a ver com a função. Foi um erro ter aceitado o convite do TSE, já existem vários órgãos que participam desse processo de validação, as Forças Armadas não tem nada a ver. Outro erro foi ter produzido o relatório técnico com uma conclusão que deixou dupla interpretação. Quando você deixa a coisa sem definição num ambiente de extremismo, é uma arapuca que você entra e não consegue mais sair.
E é um questionamento que não tem embasamento.
É, você não tem base, você tem uma crença. O sujeito que acredita que teve fraude, ele não tem uma discussão técnica, ele acredita naquilo. Então é o problema da seita e não adianta. Isso não é racional, então não adianta você querer explicar, você querer discutir, né? Não adianta você discutir, não adianta você explicar nada. E o fanatismo sempre termina em violência, você não tem saída, às vezes não termina em violência física, mas acaba brigando com amigos, em ambiente familiar.
O que o senhor acha sobre o uso de redes sociais por militares da ativa para se manifestar politicamente?
Quando você é da ativa, nada disso é recomendado. Porque dependendo da posição que você ocupa, isso acaba representando uma posição da instituição. Eu acho que até houve uma orientação das Forças Armadas de como se portar nas redes sociais, mas é um negócio que evoluiu muito rápido.
O comandante da Aeronáutica publicou uma foto de verde e amarelo no dia das eleições. Algo assim, antigamente, era incabível, né?
É, nunca aconteceu isso de militares indicarem e dizerem em quem vão votar, são coisas que não é bom que aconteça. A noção de liberdade mudou completamente, o colega acha que tem a rede social disponível para ele para fazer o que quiser.
Você acha que o governo Bolsonaro desgastou a imagem das Forças Armadas?
Sem dúvida nenhuma foi desgastante. As Forças Armadas têm um saldo positivo muito grande com a população, teve um longo tempo afastada da política, mas durante o governo Bolsonaro com certeza houve um desgaste. Ele falar o tempo todo que o Exército era dele, querer falar que a instituição está com ele, isso não tem nada a ver.
No segundo turno o senhor não declarou voto, passadas agora as eleições, senhor diria como votou?
Não, a eleição já está consolidada, já está resolvida. Eu evito falar. O Brasil tem que olhar para frente, o país está muito dividido, mas o Lula, que ganhou com 51% dos votos, precisa entender que ele vai ser fiscalizado. Se eu perdesse uma eleição com 49% dos votos, eu viraria líder de oposição na hora, uma oposição construtiva, forte, atuante, não pode ficar de boca fechada 22 dias. Esse silêncio pode ser interpretado como um negócio de covarde, de você esperar que o circo pegue fogo para ver como pode se beneficiar. Ele precisa fazer uma transição segura, passar segurança para o povo e não deixar as pessoas perdidas. Esse silêncio é inaceitável, ele ganha para trabalhar.
Mas o senhor chegou a pensar em declarar apoio a Bolsonaro no segundo turno?
Não. Minha experiência com ele foi muito ruim, não tinha nenhuma condição de apoiar ele.
E o que o senhor achou do apoio do Sergio Moro a ele? Da forma que foi, tão explícito?
Foi uma surpresa para todos nós. Porque a saída dele do governo foi uma saída com conflitos abertos e acusações. Os bolsonaristas até fizeram uma campanha muito forte para caracterizá-lo como traidor, como Judas, que traiu o presidente. Foi um conflito muito grande e depois ele resolveu fazer esse apoio de última hora ao Bolsonaro. Foi uma decisão que realmente ficou sujeita a críticas. Não cheguei a conversar com ele sobre isso porque foi uma decisão pessoal dele, que eu não tomaria, mas não quero julgar como certo ou errado.