Quando o espanhol Luiz Gálvez Rodrígues de Arias aportou por estas paragens, despertou nos acreanos um sentimento de altivez e um espírito libertário que contribuíram para a formação da nossa identidade. Ao criar uma nação independente, sabia ele que as nossas terras eram boas, tínhamos gente trabalhadora e uma posição estratégica na geopolítica mundial.
Isso pôde ser confirmado depois da anexação do nosso território ao Brasil. Sendo o filho caçula, já enchemos a nossa mãe-pátria de orgulho. No início do século passado, a extração do látex gerou muitas divisas. A borracha chegou a ser o segundo produto mais exportado do país, ficando atrás apenas do café.
E se a cultura cafeeira gerou a sua aristocracia, nós também formamos a nossa. O historiador Leandro Tocantins conta, em seu livro Formação Histórica e Econômica do Acre, que os “barões da borracha” ganhavam tanto, mas tanto dinheiro, que acendiam charutos com notas de 100 contos de réis. Mesmo com a concorrente borracha asiática e o descaso/ingratidão do governo federal, a nossa produção gomífera continuou sendo a principal atividade econômica da região.
A deflagração da Segunda Guerra Mundial e o retorno da produção em alta escala provariam o que Gálvez já havia preconizado: o Acre era viável. E a história se repetiu como tragédia. Aconteceu a segunda migração de nordestinos, desta feita em maior contingente. Os “arigós” travaram e venceram a "Batalha da Borracha”. Porém, a mentira logo veio à baila. Prometeram aos valorosos combatentes que ficariam ricos e retornariam para o sertão. Isso jamais foi cumprido. Ocorreu ao contrário, foram abandonados à própria sorte. O beribéri, a malária, os animais silvestres e a melancolia dizimaram milhares deles, constituindo o que podemos chamar de hecatombe social.
Agruras e adversidades à parte, formamos um povo e um território. Os ideais de autonomia, no entanto, nunca saíram do imaginário coletivo dos acreanos e, em 1962, transformamo-nos em um ente federativo. Remontam-se, também, daquela época, as políticas do governador José Guiomard dos Santos, que ousou investir na agricultura e pecuária, na tentativa de criar alternativas para substituir a então combalida produção extrativista.
Fazendo um recorte na história, mais precisamente para as últimas duas décadas, o petismo reinstitucionalizou o estado, mas o fez para servir aos seus próprios interesses, criando um regime autoritário jamais visto. Implantou o “Estado do Medo”, no qual quem não se enquadrasse era acusado de não gostar do Acre, numa alusão ao ufanista Ame-o ou Deixe-o, de triste memória, legado pelo Regime Militar. Trocando em miúdos: a tal florestania nos deixou um legado de 20 anos de atraso econômico e social.
Passados quase três anos de sua gestão, Gladson Cameli ainda não disse a que veio. É confuso, age no improviso e tem como sustentação o populismo. Não existe um único programa que possa alavancar a produção, caminho único para o desenvolvimento. E o pior: está imerso em acusações de corrupção de desmandos.
Para falar sobre isso e outros assuntos, a reportagem foi ao escritório do advogado Sanderson Moura, de 45 anos, pré-candidato ao Senado pelo PSOL. Egresso do movimento estudantil e sindical, ele pretende ganhar as mentes e os corações dos eleitores usando a oratória, deixando a entender que os seus concorrentes terão campanhas abastadas. “Será o verbo contra a verba”, ironizou. Eloquente, inspira-se no político Péricles, da Grécia Antiga, para quem é o maior estadista de todos os tempos. Veja a entrevista:
“Um senador não pode ser um mero liberador de emendas”
Quem é o Sanderson Moura?
Sanderson Moura – Eu nasci em Tarauacá onde morei até terminar o primeiro grau. Depois, fui para Cruzeiro do Sul e estudei Magistério no Seminário dos Irmãos Maristas, no Instituto Santa Terezinha. Aqui na Ufac, me formei em História, Direito, Filosofia e sou mestre em Educação. Fui presidente do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e disputei a eleição do Sindicato da Educação (Sinteac). Também fui professor por dez anos no Estado e Município. A minha experiência político-partidária não foi feliz, mas eu sempre estive no campo dos partidos progressistas. Sou moderado e gosto do diálogo, do pluralismo. Isso é um perfil de estadista e é isso que eu me proponho ser. O Brasil e o Acre estão precisando de estadistas.
Por que essa admiração pelos gregos? Como isso passou a integrar a tua vida?
Sanderson Moura – O curso de História formou a minha base. Eu gostava muito dos clássicos como Heródoto e Tucídides. Isso também se revelou no curso de Direito, pois foi no mundo grego que a Advocacia, o Tribunal do Júri, a Filosofia e a Retórica nasceram. Esta última é objeto dos meus estudos. Eu me sinto ligado a essa cultura, a esse saber antigo, ou seja, ao mundo greco-romano. O meu grande inspirador político é Péricles, estadista que transformou a Grécia em um esplendor cultural. Já em Roma, tenho outra referência, que é Cícero, um dos maiores tribunos e intelectuais daquela época.
Por que o senhor escolheu a advocacia criminalista?
Sanderson Moura – As minhas profissões sempre estiveram ligadas à palavra. A política também. Eu fiz faculdade para ser advogado. Isso sempre ficou muito claro na minha cabeça. Por ser um profissional liberal, posso pensar, escrever e não tenho amarras ou relações intimistas com os políticos convencionais, bem como empresários que vivem à sombra do poder público. Eu posso ser quem sou. Eu me encontrei nessa profissão, que me proporciona felicidade e realização. E criminalista porque o meu grande sonho era trabalhar no Tribunal do Júri.
“Podemos trabalhar com a tecnologia ambiental, a bioeconomia, que seria a utilização dos produtos da floresta para alavancar o desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida da população”
Por que o senhor é candidato a senador?
Sanderson Moura – O Acre é um dos lugares onde mais se ressente de uma representação proativa e consequente. Mesmo sabendo do acirramento e das práticas pouco éticas, eu não quero fazer da política um campo de batalha. Aliás, a política evita a guerra. Quero fazer dela um espaço de debate, de propostas econômicas e culturais, pensando o Estado, a democracia e as relações institucionais. Um senador não pode ser um mero liberador de emendas. É preciso pensar o País, a democracia como valor universal, a Amazônia e a nossa gente. Um senador precisa ser um articulador, participando das relações internacionais e aproximando as instituições das pessoas para direcionar as políticas públicas necessárias. Eu defendo o estado do bem-estar social. Também pretendo colocar na agenda política os grandes temas nacionais. Esse é o momento oportuno e não tem mais retorno, ou seja, eu queimei os meus navios.
O que o Acre precisa fazer para se desenvolver?
Sanderson Moura – Somos o ente federativo que mais se ressente de uma representação proativa e consequente. Apesar das riquezas existentes neste maravilhoso local, todas elas seguem ainda subexploradas. Possuímos uma localização estratégica quando se trata de exportações e podemos atrair inúmeros investimentos como, por exemplo, o desenvolvimento de polos de tecnologia e pesquisa farmacêutica, cosmética e alimentícia, dentre outras tipologias produtivas que podem se adequar plenamente às potencialidades regionais. Proponho criarmos um novo viés econômico que chamo de autodesenvolvimento ou agroindustrialização. Esse modelo forma uma bem definida cadeia produtiva, englobando os três setores da economia, começando com a agricultura cujos produtos vindos deste setor seriam processados (indústria) e agregariam valor. Por último, eles serão exportados (comércio) gerando divisas para o estado. Essa proposta é focada em produtos regionais como a mandioca, a banana, o café clonal, o buriti, o açaí e a fruticultura de um modo geral. O papel do poder público seria garantir a infraestrutura adequada e necessária para incentivar a produção em escala maior, bem como criar um ambiente favorável, com incentivos e isenções, para a instalação de indústrias desses produtos.
“É possível aliar conservação ambiental com desenvolvimento e equidade”
Essa proposta, aparentemente óbvia, nunca entrou na agenda dos nossos governantes. Por que?
Sanderson Moura – E ela está no Zoneamento Ecológico e Econômico (ZEE) do estado. Existe consumo de banana chips no mundo inteiro. Os países caribenhos produzem, industrializam e exportam para os EUA, Canadá e Europa. Da mesma forma que a banana, a mandioca também seria outra alternativa para a nossa região, pois agregaríamos valor e geraríamos empregos. Mas existe produção para isso? Não temos banana e mandioca nem para atender o consumo in natura local. Também proponho criarmos o “Vale Bio”, que é uma alusão ao que foi feito no Vale do Silício americano, uma região que alcançou um gigantesco desenvolvimento, com destaque global, tornando-se o centro de desenvolvimento de tecnologia. Temos recursos únicos que nos potencializam para almejarmos a liderança tecnológica e o desenvolvimento industrial. A floresta tem uma biodiversidade incrível. A base da indústria mundial é a biodiversidade. Medicamentos e cosméticos lideram isso. Podemos trabalhar com a tecnologia ambiental, a bioeconomia, que seria a utilização dos produtos da floresta para alavancar o desenvolvimento e melhorar a qualidade de vida da população. É possível aliar conservação ambiental com desenvolvimento e equidade. O que não se pode é pender a balança para um só lado, ou seja, ser conservacionista ou desenvolvimentista. Precisamos utilizar a tecnologia para aproveitar os recursos naturais do planeta. É inadmissível existirem produtores rurais pobres. Eles são muito mais ricos do que as pessoas que vivem nas cidades. Eles têm toda uma biodiversidade à disposição, além da qualidade de vida, do ar que eles respiram, da água que consomem e do bom alimento que eles podem produzem.
O senhor tem outras propostas?
Sanderson Moura – Sim, claro. A defesa do meio ambiente, o saneamento básico para todos, por uma educação pública de qualidade, a defesa das universidades públicas e a criação de uma universidade estadual para ampliar oportunidades. Proponha, também, a criação de um centro de belas artes para todos artistas poderem se manifestar.