Quando Lula deixou a presidência, o entendimento do TCU sobre presentes recebidos por presidentes era diferente do atual
Nesta sexta-feira (15) uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo informou que o presidente Lula (PT) incorporou ao seu acervo pessoal relógios que ganhou de presente em viagens oficiais , avaliados entre R$ 60 mil e R$ 80 mil. A presidência da República alega que todo o acervo referente aos mandatos anteriores de Lula foi investigado, sem que nada irregular fosse detectado.
“O atual presidente não vendeu em nenhum momento objetos do seu acervo de mandatos encerrados faz mais de 12 anos. O que ficou sob responsabilidade da guarda do presidente Lula está no seu acervo, guardado. Nada foi vendido nem se tentou vender nada”, diz a nota da Secretaria de Comunicação Secom.
O caso chamou a atenção de muitas pessoas, visto que o ex-presidente Jair Messias Bolsonaro , sua esposa e apoiadores de seu círculo mais íntimo são investigados por omitir joias de alto valor recebidas em viagem oficial do patrimônio da União, e por vendê-las nos Estados Unidos.
Diante desse fato, a revelação sobre os relógios que estão no acervo de Lula confundiu parte da população, que ficou sem entender porque o TCU adotou medidas distintas para casos que, à primeira vista, aparentam ter um grau elevado de semelhança. No entanto, a questão é um pouco mais complexa.
Em 26 de agosto de 2002, o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou o Decreto Nº 4.344 , que regulamenta a Lei no 8.394, de 30 de dezembro de 1991, sobre a preservação, organização e proteção dos acervos documentais privados dos presidentes da República.
Nele, foi estabelecido que “o acervo documental privado do cidadão eleito presidente da República é considerado presidencial a partir de sua diplomação”, mas que essa regra encontra exceções no caso de “documentos de natureza arquivística produzidos e recebidos pelos presidentes da República, no exercício dos seus mandatos”.
Outra exceção é aberta para os “documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das ‘Visitas Oficiais’ ou ‘Viagens de Estado’ do presidente da República ao exterior, ou quando das 'Visitas Oficiais' ou 'Viagens de Estado' de chefes de Estado e de Governo estrangeiros ao Brasil”.
No ano de 2016, quando Lula e Dilma já eram ex-presidentes da República, o TCU determinou a devolução de todos os documentos e presentes recebidos pelos Presidentes da República a partir da publicação do Decreto 4.344/2002.
Ou seja, todos os documentos bibliográficos e museológicos recebidos pelos presidentes da República nas cerimônias de troca de presentes, audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das visitas oficiais ou viagens de estado ao exterior ou das visitas oficiais ou viagens de estado de chefes de Estado e de Governo estrangeiros passaram a pertencer à União, com exceção dos itens de consumo direto ou de natureza personalíssima.
A mesma determinação deu um prazo de 120 dias para identificação dos atuais mantenedores e localização de 568 bens recebidos por Lula e 144 recebidos por Dilma Rousseff.
A partir dessa mudança no entendimento do TCU, qualquer item de alto valor recebido por presidentes em exercício deve ser registrado como parte do patrimônio público.
Diante dessa diferença de entendimento do Tribunal e da fiscalização realizada sobre o patrimônio de Lula, a Secom da Presidência afirmou que a publicação da reportagem sobre os relógios em posse do presidente “parece uma tentativa de confundir alhos com bugalhos para dar combustível a narrativas políticas equivocadas”.