És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo
Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo, tempo, tempo, tempo
Entro num acordo contigo
Tempo, tempo, tempo, tempo...
(Oração ao Tempo – Caetano Veloso)
Afirmei em artigo recente que o ACREPREVIDÊNCIA se consolidou como uma tragédia fiscal sem solução aparente e que só tende a piorar com o passar dos anos. O passivo atuarial ao final de 2018 foi de 15,5 bilhões, se comenta que o défict mensal é próximo de 40/50 milhões de reais.
Isso quer dizer que todos os meses o Estado precisa tirar dezenas de milhões dos cofres públicos para cobrir o pagamento da folha mensal dos aposentados e pensionistas. Praticamente é direcionado para o Instituto, no decorrer de um ano, o valor corresponde ao orçamento total de recursos próprios da nossa capital. O valor (de recurso próprio, fora convênios etc) que sustenta quase todas as ações da Prefeitura durante um ano é praticamente o mesmo que vai para o ACREPREVIDÊNCIA só para cobrir déficit.
Muita gente ainda vai se aposentar, o cenário pode piorar e drenar mais recursos que poderiam ser direcionados para investimentos e serviços públicos. Insegurança para os servidores aposentados e da ativa, menos capacidade de atuação para atendimento das demandas da sociedade. Trágico.
O dinheiro do fundo acabou recentemente, mas certamente já se sabia que isso ocorreria muitos anos antes, talvez décadas. O colapso da previdência do Estado deve ter sido previsto lá pelo começo dos anos dois mil, talvez ainda no final da década de noventa, quem sabe. Naquela época o problema se revelava como uma crise distante, uma tragédia anunciada para muitos anos a contar dali. Hoje é uma tragédia fiscal já estabelecida.
O que isso tem de importante? Bom, além de ser um problema que precisa ser debatido e cuja solução a todos interessa, a vida é muita curta para que tenhamos a oportunidade de cometer todos os erros, a melhor opção é aprender com os erros dos outros e assim tentar trilhar melhores caminhos.
Em dezembro de 2017, quando iniciamos a divulgação de todos os dados estatísticos das despesas da EMURB na internet, publiquei o artigo “O que a EMURB faz com seu dinheiro? Estamos lançando o site da empresa e, como ele, o convite para uma nova abordagem sobre o tema despesa pública.” Na época, falei sobre a questão das escolhas intertemporais feitas pela Administração, assunto que continua sendo absolutamente subestimado. A quem se interessar, recomendo a leitura do livro O Valor do Amanhã (2012) do Eduardo Giannetti.
Preciso voltar ao tema.
Usufruir agora, pagar depois. Pagar agora, usufruir depois. Antecipar custa, retardar rende. Procrastinar custa muito! As escolhas intertemporais da Administração (abrir mão de algo no presente em prol do futuro e vice-versa) são fontes de grandes e graves problemas, que não são sequer percebidos pela sociedade por conta do nosso desinteresse em relação às particularidades da despesa pública.
Se o chamado desconto hiperbólico - nossa predileção de antecipar a fruição de uma utilidade e postergar o seu custo, sacrificando o futuro - é extremamente comum na nossa cultura, na Administração Pública ele se torna ainda mais atraente, pois o sacrifício costuma ser gerenciado não por quem decide, mas por seus sucessores. Eu faço bonito hoje e quem vier depois é que se vire para pagar a conta.
Este modelo faz com que o Poder Público adote decisões inconsistentes ao longo do tempo, postergando medidas que deveriam ser tomadas no presente para um futuro que as vezes nunca chega ou, ainda, adotando medidas que sacrificam desproporcionalmente o futuro em prol do atendimento de interesses imediatos.
Por que me desgastar agora se essa bomba vai explodir daqui a dez, vinte, trinta anos?
Todas essas reflexões servem a seguinte pergunta: o que faremos em relação ao RBPREV, instituto de previdência dos servidores do Município? Cientes quanto as dificuldades que as escolhas intertemporais feitas há muitos anos pelo Estado nos acarretam hoje, importante para nós, agora, é, utilizando dessa experiência, melhor refletir sobre as escolhas que faremos quanto ao Município de Rio Branco.
Também aqui temos déficit atuarial, mas o então Prefeito Marcus Alexandre, em decisão responsável, optou por começar a equacionar o desequilíbrio de imediato, não permitindo o colapso do fundo no futuro. Esta decisão tem um custo elevado, não obstante seja infinitamente mais eficiente e barata que aguardar o colapso do fundo e passar a cobrir déficits contínuos.
A garantia da saúde financeira do fundo previdenciário municipal é lastreada por uma alíquota complementar crescente, que hoje é de 4,96%, próximo ano será de 7,08%; 2021 será de 9,20% e assim sucessivamente até que, a partir de 2024 e até 2047, se estabilize em 15,56%.
ANO | DTP SEM ENCARGOS | BASE DE CÁLCULO CONT PREVIDENCIÁRIA | CONT. PATRONAL | ALIQ. SUPL. | VALOR CONT. SUPLEMENTAR | DESPESA TOTAL COM PESSOAL | RCL AJUSTADA | DTP/RCL |
2019 | 324.145.309,67 | 197.600.000,00 | 34.402.160,00 | 4,96 | 9.800.960,00 | 368.348.429,67 | 802.456.589,75 | 45,90 |
2020 | 332.086.869,76 | 202.441.200,00 | 35.245.012,92 | 7,08 | 14.332.836,96 | 381.664.719,64 | 802.456.589,75 | 47,56 |
2021 | 340.222.998,07 | 207.401.009,40 | 36.108.515,74 | 9,20 | 19.080.892,86 | 395.412.406,67 | 802.456.589,75 | 49,28 |
2022 | 348.558.461,52 | 212.482.334,13 | 36.993.174,37 | 11,32 | 24.053.000,22 | 409.604.636,11 | 802.456.589,75 | 51,04 |
2023 | 357.098.143,83 | 217.688.151,32 | 37.899.507,14 | 13,44 | 29.257.287,54 | 424.254.938,51 | 802.456.589,75 | 52,87 |
2024 | 365.847.048,35 | 223.021.511,02 | 38.828.045,07 | 15,56 | 34.702.147,12 | 439.377.240,54 | 802.456.589,75 | 54,75 |
A tabela abaixo representa o impacto financeiro dessas alíquotas progressivas e sua repercussão nos limites de gasto total com pessoal do Poder Executivo até 2024. Projetamos um cenário que pressupõe a manutenção da receita corrente líquida no nível atual (abril/2019, ajustada com a subtração da receita intraorçamentária da EMURB) e, do lado da despesa, considera para os próximos anos tão somente a elevação vegetativa da folha de pagamento.
Nestas circunstâncias, chegaríamos em 2024 já extrapolando o limite máximo de despesa com pessoal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal e gastaríamos, só com alíquota suplementar, quase 35 milhões de reais (pensa aí o esforço que foi para reservar 50 milhões para infraestrutura este ano).
O cenário seria bastante desafiador. Para evitá-lo, entretanto, as providências são simples.
Primeiro, precisamos interromper o ritmo acelerado de crescimento da despesa com pessoal - de 2014 a 2018 elevou-se numa média de 9,5% ao ano - que impacta diretamente o déficit atuarial. A reforma administrativa da Prefeita Socorro Neri foi um passo nesta direção de tentar suavizar o ritmo de crescimento da despesa, mas está longe de ser o suficiente. É preciso atuação contínua para que, pelo máximo período possível, pelo menos até uma maior recomposição da relação receita corrente líquida x despesa total com pessoal, a elevação da despesa se limite ao crescimento vegetativo da folha decorrente dos planos de carreira já aprovados.
Além disso, precisamos começar a refletir sobre a distorção de alguns benefícios do RBPREV, especialmente no que se refere a pensões, bem como quanto a alíquota da contribuição previdenciária dos servidores, que atualmente se situa no patamar mínimo definido pela legislação de regência. Se a reforma da previdência vier, a mudança virá de cima para baixo, mas se não vier nós servidores precisamos discutir a sustentabilidade do nosso modelo atual.
Por fim, é indispensável que continuemos a persistir no esforço para ampliação contínua e crescente da receita, sem a elevação da carga tributária.
Elevando a receita e estabilizando o ritmo de crescimento da despesa, não teremos problemas quanto ao cumprimento dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e garantiremos a possibilidade de a Prefeitura ter disponibilidade financeira para realização de investimentos na cidade, que são absolutamente necessários.
Que tipo de acordo estamos dispostos a fazer com o tempo? Sacrificar um pouco agora para garantir tranquilidade no futuro me parece ser a melhor opção.
Claro que podemos fazer diferente. Ampliar a despesa corrente, exigir e conceder benesses corporativistas, enfim podemos sacrificar o futuro em prol de uma melhoria restrita e mais imediata. O resultado não será nenhuma surpresa. Já sabemos onde esse caminho leva, (in)felizmente.
Retomando a Oração ao Tempo, desejo o mesmo que Caetano Veloso, que possamos optar pelo “movimento preciso; tempo, tempo, tempo, tempo; quando o tempo for propício; tempo, tempo, tempo, tempo.”
Edson Rigaud Viana Neto
Secretário de Finanças do Município de Rio Branco. Presidente do Conselho de Administração do RBPREV. Procurador do Município de Rio Branco. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Tributário e Processo Tributário. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..