No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o modelo de partilha inconstitucional e determinou sua extinção
Seis ministros do novo governo Luladestinaram ao todo R$ 326,1 milhões do orçamento secreto a seus redutos eleitorais entre 2021 e 2022, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro. O mecanismo, por meio do qual políticos indicavam verbas da União sem ser identificados e de forma desigual, recebeu duras críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em diversas ocasiões ao longo da campanha. No fim do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou o modelo de partilha inconstitucional e determinou sua extinção.
Até então, as chamadas emendas de relator, ferramenta de execução desses recursos, eram usadas como instrumento de barganha política, sobretudo com o Congresso. Nesse contexto, o recém-empossado ministro da Agricultura, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT), indicou R$ 75 milhões do orçamento secreto para seu estado, entre março e maio do ano passado.
Da esquerda para a direita: os ministros Carlos Fávaro, Daniela do Waguinho e Juscelino Filho — Foto: Arte sobre fotos da Agência Senado e AFP
Publicidade nas redes
Em uma postagem no Instagram, em junho, ele comemorou a transação.
“Tá na conta do @govmatogrosso os R$ 50 milhões da minha emenda para a saúde de Mato Grosso”, publicou, sem especificar que o valor era das emendas de relator.
O que é o orçamento secreto? Entenda em cinco pontos
Procurado, Fávaro argumentou que não fez nada ilegal naquela ocasião:
— O instrumento estava em vigor quando assumi. Destinei verbas com a maior responsabilidade, dentro dos preceitos do mandato e sempre fazendo a prestação de contas e dando publicidade por meio das minhas redes sociais.
Outro integrante do atual primeiro escalão, o ministro de Integração e Desenvolvimento Regional, o ex-governador do Amapá Waldez Góes (PDT), indicou R$ 58,9 milhões do orçamento secreto. Desse valor, R$ 57,1 milhões foram para a superintendência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) no Amapá. A estatal, que concentrou grande parte da execução das emendas de relator, está sob o guarda-chuva da pasta que ele assumiu.
Góes foi beneficiado por uma mudança nas regras das emendas no fim de 2021. Inicialmente restritas a parlamentares, as destinações puderam ser feitas por agentes externos, como ONGs e governadores, caso do agora ministro. Ele não quis comentar.
O levantamento do GLOBO alcança apenas os valores destinados, ou seja, dinheiro que o político recomendou ao Executivo para que fosse gasto em determinado local. Não é possível identificar, contudo, quanto acabou sendo desembolsado, embora a maior parte tenda a ser liberada, já que as demandas costumam ser negociadas previamente. No caso de Fávaro, por exemplo, ele afirmou publicamente que o dinheiro foi repassado. A reportagem levou em consideração dados disponíveis da Comissão Mista de Orçamento e ofícios entregues pelos próprios políticos ao STF, por determinação da Corte.
Cinco dos seis auxiliares de Lula agraciados pelas verbas de relator são filiados ao União Brasil e PSD, partidos de centro. Embora não integrassem formalmente a base de Bolsonaro, as duas legendas abrigavam diversas apoiadores do ex-presidente. Apenas Waldez Góes é filiado ao PDT, mas nos últimos anos ele tem sido aliado de primeira hora do senador Davi Alcolumbre, cacique do União e padrinho da indicação dele ao ministério. Góes deve migrar para o União em breve.
Logo após a eleição, no mês passado, Lula voltou a deixar clara a sua contrariedade com o mecanismo de partilha sem transparência.
— Eu sempre fui favorável que o deputado tenha emenda, mas é importante que ela não seja secreta. Não pode continuar da forma que está — afirmou o petista, pouco antes de o STF proibir a prática.
A escolhida pelo novo presidente para comandar o Ministério do Turismo, a deputada Daniela do Waguinho (União-RJ), indicou R$ 56 milhões em 2022 para cinco municípios. A cidade contemplada com a maior fatia, R$ 51,8 milhões, foi Belford Roxo, cujo prefeito é o marido dela, conhecido como Waguinho.
Daniela também indicou investimentos para os municípios de Cordeiro, Sumidouro, Santo Antônio de Pádua e Nova Iguaçu, com destinações entre R$ 60 mil a R$ 1 milhão. Em 2021, ela já havia demandado R$ 30 milhões para serem gastos em cidades do Rio.
Peça orçamentária
Questionada pelo GLOBO, a ministra argumentou que as emendas de relator faziam parte da peça orçamentária àquela altura. “Logo, caberia aos parlamentares as indicações aos municípios e ou instituições (...) realizadas dentro da normalidade e com toda transparência”, justificou, por meio de nota.
Novo ministro de Minas e Energia, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), indicou para nove municípios mineiros, além de duas ONGs, R$ 13 milhões do orçamento secreto em 2022. À reportagem, ele afirmou que “a indicação de emendas, desde que sejam feitas de forma transparente e atendendo o interesse público, são legítimas”.
Empossado na pasta das Comunicações do governo Lula, o deputado federal Juscelino Filho (União-MA) fez 51 indicações do orçamento secreto, totalizando R$ 34,1 milhões. A maior parcela foi para a cidade de Gonçalves Dias (MA), governada por um aliado do ministro. Filho cumpre seu segundo mandato na Câmara Federal e votou favoravelmente ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Ele não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Além dele, o ministro da Pesca, André de Paula (PSD-PE), indicou R$ 59,1 milhões do orçamento secreto. Apenas em 2022, fez 102 destinações, que variam de R$ 100 mil a R$ 2 milhões.