Geralmente, há uma aversão generalizada a qualquer debate sério sobre pautas notadamente técnicas. E isso tem se tornado cada vez mais árido em razão da ideologização delirante que alguns tentam impor às discussões que são feitas sobre os rumos do Brasil. Mas, faz-se necessário pensar em um novo modelo de Estado que afronte a desventura governamental em que lançaram o País e que parece estar longe de sair.
Há alguns meses, escrevi um artigo defendendo a necessidade da aprovação da reforma da Previdência e tomando uma posição contrária ao bloqueio de verbas das universidades e institutos federais, por parte do Ministério da Educação. Dizia que uma posição não anulava a outra e que é plenamente possível ter juízos distintos sobre agendas de um mesmo governo, seja ele qual for, sejam elas quais forem – as agendas.
Meses depois, ante o apelo da sociedade civil, o MEC desbloqueou os recursos da educação e, concomitantemente, no Congresso, sob a forte liderança de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, a reforma da Previdência foi aprovada, sob a ótica social, mais aprimorada do que o texto enviado pelo Planalto, preservando o Benefício de Prestação Continuada, a aposentadoria rural e a dos professores.
O debate sobre a agenda de medidas liberais seguiu-se porque o governo anunciou uma série de outras reformas, como a Tributária - essa já em discussão no Congresso - e um pacote de privatizações de empresas estatais ditas deficitárias pela retórica governista.
Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, levou ao Congresso três propostas de emendas à Constituição, incluídas em um pacote econômico que chamou de Plano Mais Brasil. Analistas avaliam que, grosso modo, o diagnóstico e a proposição foram corretos, mas que o governo terá um grande desafio na aprovação de algumas propostas, como a que compromete a estabilidade de servidores públicos, em alguns casos.
Outro ponto indigesto é o que prevê mudanças nos limites do orçamento da educação e da saúde, já definidos pela Constituição, dando margem discricionária para estados e municípios gastarem esses recursos sem critérios instituídos de prioridade. No campo político, o principal entrave é a ausência de uma base sólida na Câmara e no Senado, acentuada pelo racha no partido do próprio presidente, além de manifestações revanchistas e desproporcionais que ele e os seus proferem contra qualquer um que ouse contrariá-los.
Fato é que, no Brasil, o déficit orçamentário, fruto da governança perdulária de governos anteriores, jogou o País no fosso do abismo contábil. Se a conta não fecha, o problema é matemático e algo tem que ser feito. E não se conhece na literatura político-econômica uma fórmula mágica que não sejam reformas estruturais do Estado e ou o aumento de impostos para avolumar a receita. Mas, há clima para aumento de impostos em um cenário com mais de 13 milhões de desempregados? Claramente, não. E qual reforma é cabível sem afetar ainda mais o gravíssimo quadro social do País?
Na esteira dessa discussão, há que perseguir duas questões: a instituição de uma cultura de responsabilidade fiscal e o aprimoramento de políticas de distribuição de renda que promovam a redução da desigualdade social. Não importa a denominação que deem a este regime de Estado, nem as colorações ideológicas que venham a instituí-lo.
Em artigo publicado no El País, nessa semana, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defendeu a formação de um campo político que chamou de centro democrático progressista e vaticinou que “é do interesse da maioria existir um governo ativo e com rumo. Capaz de respeitar as regras do mercado, mas também os interesses e necessidades do povo”. Em outros termos, o ex-presidente disse que é possível equilibrar as contas públicas e não negligenciar as políticas sociais conquistadas até aqui.
Nossa experiência recente mostra que um Estado saturado e burocrático é um campo fértil para o populismo e a consequente desorganização das finanças públicas, a alta da inflação, do desemprego e da corrupção sistematizada. O corolário de tudo isso formou uma atmosfera que direciona os rumos das economias contemporâneas para o liberalismo do mercado e uma repulsa quase generalizada a toda ação do Estado, mesmo que seja para a promoção do combate às injustiças sociais, em um país que amarga um dos maiores índices de desigualdade social do mundo.
Parece um clichê afirmar que as reformas são necessárias, mas que devem iniciar cortando privilégios do topo da pirâmide social. Porém é preciso insistir nessa tecla.
O Brasil real não cabe numa planilha fria de Excel.
Romisson Santos é professor e articulista do Notícias da Hora.