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Navegando pela enchente do Rio Juruá, um dos mais imponentes da Amazônia

O Rio Juruá é um dos mais imponentes da Amazônia. Nasce no Peru e deságua no Solimões no Amazonas. Mas é no Acre onde tem o maior número de pessoas vivendo às suas margens e nos seus afluentes. O Juruá carrega um simbolismo e uma força social tão grandes que os moradores do imenso Vale formado no seu curso costumam se identificar muito mais como seus filhos e filhas do que com os estados, municípios e países que atravessa. Gostam de dizer que moram no Juruá, apesar de estarem no Acre, Amazonas ou Peru.

O inverno amazônico altera toda a região percorrida pelo Juruá e os seus afluentes. O rio se torna caudaloso na estação de chuvas fortes e, se por um lado, provoca tragédias para os moradores urbanos também traz oportunidades para os ribeirinhos que navegam por suas águas. Nessa época, o transporte tanto de pessoas quanto de cargas, se tornam mais rápidos. A integração social e econômica regional é facilitada pelo grande movimento de embarcações singrando as suas águas em todas as direções.

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Tragédia anunciada

A cheia do Juruá, em 2019, está castigando fortemente milhares da famílias de Cruzeiro do Sul. Principalmente aquelas que habitam bairros ribeirinhos da cidade e também os moradores do Rio Môa, um dos seus principais afluentes, que mistura as suas águas pretas ao barrento leito do Juruá, às portas de Cruzeiro. A enchente alcançou a marca de 13,90 sendo que a maior cheia da sua história, em 2017, chegou a 14,24 m. Apesar de apresentar uma pequena vazante as previsões do SIPAM são de chuvas na região por mais três meses.

A prefeitura de Cruzeiro do Sul tomou todas as providências com antecedência para auxiliar os desabrigados e atingidos pela cheia do rio com recursos próprios. Mas também decretou “Estado de Emergência” para com ajuda federal poder atender melhor e por mais tempo milhares de pessoas que tiveram prejuízos materiais ou saíram das suas casas pressionadas pela força das águas do Juruá.

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Vendo a cheia em diferentes dimensões

Mas como faz anos que navego o Juruá com bajolas e voadeiras queria ver como estaria a população às suas margens e em alguns dos outros afluentes importantes como o Paraná dos Mouras, Valparaíso e Juruá Mirim. Assim, juntamente com o fotógrafo Ismael Medeiros, resolvi empreender uma viagem numa pequena lancha com um motor de 40 HP até o Mirim registrando cenas cotidianas da enchente do Juruá além do limite urbano de Cruzeiro do Sul.

Apesar das chuvas fortes constantes na região o trafego de embarcações pelo Juruá aumentou enormemente nos últimos dias. Os ribeirinhos aproveitam as facilidades para a navegação no rio cheio para fazerem visitas sociais a parentes e venderem produtos no principal polo econômico regional, Cruzeiro do Sul.

Para fazer os ajustes necessários na voadeira tivemos que enfrentar uma verdadeira fila no estaleiro criado há alguns anos no bairro do Miritzal. Os mecânicos e construtores navais locais vivem a melhor época do ano para os negócios. Faturam consideravelmente com as demandas de compra e venda de embarcações e serviços de mecânica de motores.

Tudo pronto e saímos na lancha subindo o Juruá para observarmos e registrarmos com imagens o movimento social gerado pela cheia do rio. Depois de quase duas horas navegando, desviando dos balseiros (restos de árvores derrubadas pelas águas), chegamos a um flutuante na Foz do Paraná dos Mouras. Uma verdadeira loja de conveniência para os viajantes do Juruá. Ali se encontra de tudo, desde combustível até salgadinhos deliciosos e gêneros alimentícios. Movimento constante de gente esperando embarcações ou fazendo pausas nas viagens entre Cruzeiro do Sul-Porto Walter–Marechal Thaumaturgo, e colocações nos afluentes.

Entramos no Paraná dos Mouras esborrando água. Um dos afluentes mais lindo do Juruá. Água preta e vegetação quase intocada nas suas margens. A sensação de navegar no Paraná dos Mouras é de estar numa trilha cercada de árvores frondosas dentro da floresta. Na comunidade Boa Vista encontramos as pessoas descontraídas tomando banho e nadando no rio. Nada de pânico com a enchente. Ao contrário, só descontração.  

Voltamos ao leito do Juruá e observamos várias vilas situadas em altos barrancos com as águas no pé das casas. O relevo acidentado por colinas da região se transformou completamente com a enchente. As águas se elevaram e trouxeram tudo para o nível do leito do Juruá. E a cada minuto de navegação o céu variando tonalidades de cores entre o azul e o cinza prenunciando mais água das chuvas invernais insistentes.

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Um novo tempo no Mirim

Depois de três horas de navegação chegamos ao Juruá Mirim, divisa dos municípios de Cruzeiro do Sul e Porto Walter. O rio estava tão alagado que foi difícil encontrar o seu canal. Um verdadeiro mar de águas em frente ao Juruá. Normalmente o Mirim é um rio estreito e de difícil de navegação apesar das muitas comunidades ribeirinhas no seu percurso que vai em direção ao Peru.

Essa proximidade com o país vizinho, um dos maiores produtores de cocaína do planeta, gerou algumas peculiaridades e perigos para os visitantes desavisados. Sobretudo, as comunidades do Alto Mirim têm movimento constante de “mulas” trazendo a droga para comercializar. É comum encontrar nas casas eletrodomésticos fabricados no exterior trocados por víveres pelos traficantes.

Na nossa chegada na comunidade Vista Alegre encontramos com o jovem professor Alisson Barbosa da Silva. Perguntei sobre a cheia do rio.

“Pra gente que mora na comunidade que fica em cima do morro não altera muito. Às vezes, temos problemas de queda de barranco. Mas por essa época pra quem tem produção rural de farinha e açúcar gramichó é uma maravilha. Fica ótimo pra transportar os produtos pelo rio e vender em Cruzeiro e Porto Walter. Aproveitamos o rio cheio para levarmos livros e material escolar para as outras 11 escolas que ficam mais acima,” disse o professor.

Fomos visitar também a casa da Maria Jeane, esposa de um produtor rural no Mirim, que tem seis filhos. Ela nos recebeu com um açaí nativo da melhor qualidade. Compramos açúcar gramichó delicioso produzida pelo seu companheiro. Maria se alegra com a cheia.

“Fica tudo melhor pra gente. Podemos pegar o barco e levar as crianças no posto de saúde e também vender a farinha e o açúcar na cidade. Tem muito transporte nessa época do ano,” afirma a ribeirinha.

Depois da visita aos moradores o fotógrafo Ismael colocou seu drone no ar para fazer imagens da região do Mirim. Fato que virou um evento na comunidade. As crianças vieram todas para ver a parafernália que voa e tira fotos no céu. Uma alegria contagiante de uma estação chuvosa e de muita água que para os moradores do Mirim traz prosperidade e abundância, ao contrário, das áreas urbanas próximas a Cruzeiro do Sul.

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Uma noite estrelada no Valparaíso     

Seguimos viagem pelo Juruá e chegamos ao afluente Valparaíso, onde passamos a noite na casa do casal Felix e Fátima. Fomos recebidos com muito carinho. Peixe pescado na hora para o jantar e uma hospitalidade incomum nos dias de hoje. Dona Fátima é uma pescadora nata. Arma as suas redes na foz do rio todos os dias para complementar a alimentação da casa. A paisagem do lugar é exuberante.

Dona Fátima me contou que tem problemas cardíacos, mas que quando está no Valparaíso não sente nada. “Isso aqui é uma maravilha. Quando vou pra Cruzeiro tenho dor de tudo, nesse lugar passa tudo. Isso é qualidade de vida ainda mais quando o rio está cheio e a gente tem essa beleza a nossa frente,” celebra a mulher.

O drone do Ismael causa mais sensação. Em frente da casa que nos hospedamos no Valparaíso é colocado no ar o aparato que voa alto e longe. Observamos dois ribeirinhos ao longe tirando redes do rio que parecem apavorados com o drone. Um se atira no rio enquanto o outro parece dar explicações. No dia seguinte ficamos sabendo pelo seu Chico que estava na cena que o seu companheiro ao ouvir o ruído do drone se atirou nas águas do Valparaíso pensando tratar-se de um ataque de abelhas italianas. Muitas risadas e a vida segue.

Voltando para Cruzeiro do Sul, no dia seguinte, navegamos por horas acompanhados por uma chuva forte vinda em todas as direções. A turbulência do Juruá e o cenário chuvoso nos dava a sensação de estarmos navegando dentro de um redemoinho de águas por todos os lados. A água é o elemento que predomina no Vale do Juruá no inverno amazônico. Um momento que para alguns é uma tragédia, mas para outros uma alegria sem fim. Ainda mais que toda a natureza fica mais viva e verdejante adquirindo tonalidades distintas com as luzes difusas com as mudanças constantes do céu.

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