Fotos das gomas de ayahuasca foram postadas por um usuário que dirige um suposto negócio clandestino de drogas na Colúmbia Britânica, no Canadá. A Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras no Acre evitou se posicionar sobre o assunto. O uso da bebida milenar é autorizado no Brasil somente durante rituais. Etnofarmacologista especializado em fitoterapia, Karlaine Guimarães, afirma que uso isolado da DMT não tem efeito igual a ayahuasca. Ele alerta para a banalização do uso do chá
Fotos de gomas de ayahuasca – o chá considerado sagrado por comunidades tradicionais da Amazônia – foram postadas em maio deste ano por um usuário que supostamente dirige um negócio clandestino de drogas na Colúmbia Britânica, provincia do Canadá. Na postagem, Taylor Sterling, explica que os efeitos do consumo da goma com 50 mg de DMT “são quase idênticos ao da ayahuasca com um pouco menos de náuseas”.
Segundo a reportagem apurou, o autor da fórmula é a ex-professora com formação em ciências, identificada como Krista. “Ela queria experimentar fazer essas gomas para criar uma maneira “divertida e inovadora” de consumir ayahuasca – e fornecê-las aos seus clientes por um preço muito mais baixo do que custaria para assistir a um evento. cerimônia da ayahuasca no Peru”, diz o conteúdo publicado no site doubleblindmag.com.
Nesse método as gomas são ingeridas em etapas: primeiro a vermelha, após 45 a goma branca
Ainda de acordo o site, a produção através da goma evidencia uma prática conhecida como “pharmahuasca” – que consiste na extração de DMT e sua combinação com um inibidor IMAO natural ou sintético – muito utilizada no Brasil.
Em vez de tomar a bebida de forma tradicional, as gomas são ingeridas em etapas: a vermelha contém harmalina, um alcaloide encontrado principalmente nas sementes da arruda que atua como um inibidor da MAOI, o que permite que o DMT (princípio ativo da ayahuasca) se torne biodisponível.
Essa estratégia, segundo Krista, é recomendada para impedir que o corpo metabolize DMT demasiadamente, para que os seus efeitos sejam perceptíveis. A goma branca contendo DMT é consumida 45 minutos depois.
“E o que acontece quando você transforma uma viagem de ayahuasca em uma montanha-russa cósmica normalmente vivida em um ambiente cerimonial sob o comando de um xamã treinado – em um deleite casual no meio da tarde?” Questiona doubleblindmag.com – canal especializado em reportagens sobre psicodélicos.
Farmacologista alerta para banalização do uso da ayahuasca e denuncia indústria que produz milhares de litros do chá sagrado
Como o consumo de DMT em goma é algo novo, não se tem depoimentos acerca dos efeitos provocados. O que se sabe, através da autora da fórmula é que depois de comer a goma, o início do ela classifica como “viagem” é lento e a experiência dura cerca de 3 a 8 horas. Questionada sobre os riscos do novo produto à saúde humana, Krista disse que “é o mesmo que ocorre com o consumo de outras drogas”.
Convenientes, discretas, suaves para o corpo, as gomas são uma forma mais agradável de consumir drogas por terem um sabor muito bom. O site afirma que “gomas de maconha, gomas de cogumelos, gomas ácidas e até gomas de MDMA estão inundando o mercado clandestino de drogas”.
A reportagem procurou a Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras, entidade integrante do Sistema Municipal de Cultura de Rio Branco, no Acre, que congrega diversas instituições que fazem uso do chá ayahuasca. A entidade preferiu não se manifestar. Através do seu coordenador, Jean Freire, afirmou que embora repudiasse, o colegiado optou por silenciar.
Karlaine Guimarães assegura que uso da DMT isolada não tem o mesmo efeito do consumo tradicional da ayahuasca
A exploração comercial da ayahuasca é proibida no Brasil
A pauta desperta debates antigos sobre o consumo da ayahuasca, assim como estudos científicos sobre os efeitos da bebida ancestral, considerada sagrada pelos índios amazônicos. No Brasil, em 2006, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) retirou definitivamente o chá da lista de drogas alucinógenas, reconhecendo o seu uso religioso.
Em 2010, a Resolução do Conad foi adotada como tentativa de estabelecer uma deontologia do uso da ayahuasca. Para a pesquisadora Beatriz Labate, o documento é “um conjunto de regras, normas e princípios éticos a serem seguidos, incluindo a proibição de distribuição comercial, uso terapêutico, turismo, publicidade e o consumo de ayahuasca com drogas ilícitas” narrou.
A Câmara Temática de Culturas Ayahuasqueiras no Acre evitou se posicionar sobre o assunto
Farmalocogista alerta para o risco de banalização do uso da ayahuasca com quebras de tradições
O especialista em farmacologia, especializado em fitoterapia, psicanalista Karlaine Guimarães, aceitou falar sobre o assunto trazendo para o debate a experiência científica – é neuro cientista – e espiritual, Guimarães foi incentivado pelos país escravos indígenas, a tomar ayahuasca desde os 8 anos de idade. Sua experiência com o consumo da bebida começou em Minas Gerais.
“O uso da DMT de forma isolada acontece desde 2010, porém, nos últimos anos isso desandou, todo mundo resolveu usar de forma recreacional, a novidade talvez seja a formula de chiclete, de goma”, analisou Guimarães.
O especialista manifesta a sua preocupação com a quebra da tradição relacionada ao uso tradicional da ayahuasca pelos povos da floresta. “Já tem até indústria fabricando milhares de litros do chá”, denunciou.
Para Guimarães, o uso da substância através do marketing abandona práticas ritualísticas. Tendo sido usuário da DMT inalável e injetável, ele assegura que a ingestão isolada da substância não produz uma experiência similar a ayahuasca.
“Estou falando da parte científica, mas, tem toda a questão ritual. Por mais que se consiga copiar, não se faz idêntico a natureza, aí mora o mistério da floresta. A ciência ainda não sabe precisamente, qual é a experiência em sí do uso da ayahuasca, existe noção do básico”, assegura.